quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Requerente

palavrasSentado num sofá improvisado com um banco de kombi, observa atento o fluxo intenso dos requerentes.
À sua direita, numa saleta abafada e barulhenta, um velho balcão de madeira derrotado pelos cupins e pelos muitos anos de serviço público servia de apoio para os que não conseguiram assento para a longa espera.
O piso lixado pelos pés de muitas ruas, pobres pés doídos e cansados, apertados desde o alvorecer, corridos nos trilhos do subúrbio, molhados na subida do barco, pisados no ônibus e, quase sempre, machucados nas irregularidades dos calçamentos.
Os requerentes são seres angustiados. Trazem em suas mãos suadas, velhos papéis, retratos de meia dúzia, envelopes pardos, filhos menores, bebês e gordura de pastel.
Calados, tímidos, barulhentos, sedentos e suados seguem embrulhados em suas roupas de requerentes compradas no fim do ano passado, e inauguradas num acontecimento que terminou com bolo de chocolate para curar a ressaca.
Do seu banco, ele observava. Não ousava sair e perder o posto conquistado por hora de chegada, por antiguidade. Como requerente experiente jazia incólume na sua longa espera.
Ele sabia como o sistema funcionava: tinha que se diferenciar dos demais requerentes. Não bastava, é claro, ficar quieto, imóvel. Era preciso conquistar o olhar do servidor. E isso não era uma tarefa fácil.
Era como uma disputa de gato e rato: Requerente e servidor. Alternando a ação ofensiva, travavam um duelo silencioso disputando o poder de ser quem é na multidão de anônimos do dia-a-dia.
Porém, naquele dia, ele perdeu. Sentindo-se aviltado pela astúcia do requerente, Almerindo Fiapos, o Notário do turno, encerrou o expediente dobrando com desprezo a plaqueta sobre o balcão de atendimento.
ENCERRADO!

por Sérgio Araújo

Um comentário:

  1. "Toda araruta tem seu dia de mingau". Assim falou minha avó. Beleza de texto. Muito bom o texto, meu velho.
    Valeu Serjão!

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