sábado, 29 de agosto de 2009

Elisa

 Utterly Alone

Parou no meio da ponte.

Elisa!

Chicoteou-le uma lembrança.

Por que ela?

Logo ela, tão fugaz...

Embrulhado na chuva fina,

As mãos flácidas,

O olhar perdido.

Flutua.

Não sente o chão,

Não sente o corpo,

A mente ausente,

Apenas repete: Elisa!

Elisa!

 

por Sérgio Araújo

 

 

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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Estrangeiro

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Eu bebo o futuro

Como um copo de água fresca

No calor intenso do presente.

Não me apetece o sorriso fácil

Do aqui e agora.

Falsa saída,

Panacéia improvável.

O futuro me pertence

Nos versos silábicos que escrevo.

Eu canto

E minha canção tem pernas longas.

Ela verá os próximos séculos

E mostrará meu espanto,

Não do futuro

Que ainda é distante a cada momento.

Mas do presente

Que nunca existiu.

Cantando sigo

Indecifrável, perdido de mim,

Estrangeiro em minha terra.

 

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O dia do Oliveira

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Oliveira saiu de casa as seis e trinta, como de costume, pegou o seu Chevette dourado e foi para o trabalho.
Aquela manhã não era como as outras de sua vida de funcionário público estadual. O sinal fechado na primeira esquina, pedestres demais na rua esta manhã! O vendedor de tapetes para carro, a gata da lanchonete, os vidros fechados sem ar condicionado, o medo de perder a sua carteira de couro, presente dos filhos no dia dos pais.
Oliveira pensou! Pensou que podia não ser Oliveira. Sim. Podia ser o carteiro, o delegado, seu vizinho, Dona Maria dos bolinhos ou até mesmo Bob, o cãozinho de Mateus, seu primogênito.
Oliveira sonhou acordado! Sim. Sonhou que podia jogar a papelada do trabalho pela janela do décimo quinto andar da Secretaria, beijar a secretária gostosa do secretário, estapear o chefe incompetente e relaxar na sua poltrona por horas a fio sem ser perturbado por ninguém.
Oliveira decidiu! Não. Não mais iria ao Hipermercado aos sábados pela manhã com a patroa e a filharada. Chaves do carro nas mãos sacudindo, bermuda com muitos bolsos para parecer turista estrangeiro, carteira debaixo do braço, a meninada se divertindo e, vez por outra chorando pra valer em algum corredor recheado de brinquedos caros.
Dona encrenca, nem se fala, desaparecia bem na hora de passar as compras no caixa para não dar tempo de devolver os supérfluos e não passar vergonha na frente dos possíveis observadores: creme para cabelos, kit de manicura, algodão colorido, coisas com glitter, flipper, bips e trics.
Oliveira sacudiu a cabeça negativamente. Não dá! Churrasco no domingo não! Cerveja quente do boteco do Pepe, o sol torrando a pele, o banho de mangueira do Valdir com aquela sunguinha do Gabeira, a fumaça, o calor das chamas, as mãos pretas e oleosas, a vizinha gorda, o cachorro latindo, alguém escorrega e quebra o braço. Adeus churrasco.
Oliveira bateu a porta do Chevette com cuidado, trancou-o e pegou o elevador com a secretária gostosa, o chefe de cara amarrada e mais três coitados Oliveiras, senão Pereiras ou quem sabe Silveiras e foi trabalhar naquela manhã de segunda-feira.

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O olho de Sócrates

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Foi no silêncio da noite,

No lapso do tempo

Que toda a dor se foi.

Do pensar,

Do ser como sou,

Da natureza de mim

Refletida no fundo plano

Da rocha.

Uma tocha!

Inglória figura arquetípica.

De resto, o vazio

O dia é eterno

No tempo que o consome

E some!



por Sérgio Araújo

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Um caminho nas nuvens

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Na estrada

Uma pergunta escondida

Juntos buscando um caminho nas nuvens

Num céu dourado

Numa chuva colorida

Que só eu vejo

Mas entendo o seu jeito

De me dizer com os olhos

Nós somos pura história!

Com os pés descalços

Com o sol no rosto

Uma inteligência de óculos

D. Juan, Lobsang,

Aonde estamos indo?

Não importa

Eu não fechei a porta

Ainda sonhamos

Que somos crianças

Brincando com o vento

Dançando sem tocar os pés no chão

Invisíveis, eu juro!

Rock and Roll

Pétalas

Piras

Sim!

 

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O artista da solidão embriagante

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Oh! Senhor das colheitas e das flores que brotam nos jardins do fim do mundo.

Eu sou Severino. O servo aleatório. O penitente na terra violada. O artista da solidão embriagante.

O pórtico está aberto e a jornada vai começar.

Por hora vos digo: do nada nada se cria, exceto a fantasia! E desta sou o criador e curador.

Silibrina da face orvalhada, como Lady Godiva, embriagada até o gargalo, dissonha o que antes era aconchego e canto quente, para soltar do ventre em chamas, o rebento seco como o lajedo da capoeira.

Meu coração é de barro, das barrancas do rio, das pisadas do gado leve em pele e osso, sim senhor.

Quando cantou, "Joana flor das alagoas", o canto da terra, o lampião acendeu em noite ligeira e relampiou nas telas de zinco.

Naquele instante, eu nasci! Bezerro novo na poeira dos dias, arauto das primeiras horas, que ainda nas mãos da véa Aniceta, num choro embargado, risquei o espaço com o olhar duro para as frestas da taipa.

Na rabeira das palavras, cantei num canto salitroso as desditas dos couros secos no rol das plagas e resmunguei meus versos pros ouvidos rotos.

Canto, meu senhor, porque velado é o tempo que assombra minhas certezas e me impõe rolar o verbo na brancura calva do papel.

Oh! Senhor das colheitas e das flores que brotam nos jardins do fim do mundo.

Eu sou Severino. Servo já não sou.

Meu penar me fez crescido e nas artes me fiz príncipe.

Codinome voluntário pra espalhar letras miúdas e outras tantas graúdas nas folhas que correm mundo a fora.

 

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sabe quando você tem certeza?

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Sabe quando você tem certeza
E ninguém parece se importar com a solução?
Quando todos emperram
E só você é ação?
Quando dizem acabou
Você ignora porque sabe alcançar?
Entende o motivo da estranheza
Mas caminha, mesmo que devagar?
Ontem me disseram não haver amanhã.
Não da forma como  eu queria.
Janelas não se abrirão para um céu azul,
João não beijará Maria,
Canteiros inteiros, estilhaços no chão.
Sabe?
Hei de apurar minha visão,
Conspirar, conjurar, subverter, revolucionar;
Lançar palavras num balão,
Letras inteiras num muro intocável.
Sabe, quando você tem certeza
Não está só.
Há uma rede clandestina
Esperança, confiança
Seja qual for o nome da trama,
A gente não se engana
Se suja, se fere, aposta tudo
E sorri pro céu azul
Sorri pra Maria, sorri pra João...

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

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Brick2-1









Acordou cansado da fadiga do dia anterior e as sandálias não estavam no lugar de sempre. Teve que andar descalço o que era um verdadeiro martírio, uma coisa intolerável para qualquer hora do dia, quanto mais pela manhã.
Tinha deixado o Desktop ligado quando fora dormir, ou melhor, quando cochilou durante leitura telegráfica dos e-mails e não se lembrava como chegou à cama. Era fato que não podia mais se permitir tamanha inconsequência. Afinal, podia ter continuado ali mesmo, na cadeira, à toa como um bêbado, à mercê da intempérie e das emissões eletromagnéticas.
O importante é que isso tudo deixou, repentinamente, de ter importância diante daquelas palavras em fonte "Arial" que manchavam de preto a parte central do display.
Sentou-se vagarosamente sem tirar os olhos da tela. Minimizou-a em seguida, como que tentando dispersar uma alucinação repentina ou um mal entendido qualquer. Mas, sem êxito, retornou o olhar para aquelas palavras.
- O café está servido, amor, venha logo!
- Já vou! - disse, automaticamente, sem pensar em sair dali naquele momento.
Enquanto ganhava tempo por ter respondido ao apelo da esposa, vasculhou a memória recente, listou mentalmente o estoque de palavras que pudessem refletir o que estava vendo. Aquilo não era, necessariamente, uma surpresa para ele. Já sabia de tudo.
Paralisado, pensava na repercussão do fato. Os descasos, os casos e acasos, as mudanças e, quem sabe, uma surpreendente aceitação.
- Já vou, já vou... - repetiu enquanto se recompunha para o café da manhã de domingo.
Sentou-se para comer meio perdido em projeções e pensamentos contraditórios. Tomou o café como um autômato e vomitou na mesa.
Quando esticou o braço e deslizou a mão sobre a cama, sentiu que estava mais fria do que de costume. Abriu os olhos, estava escuro.
Acordou cansado e as sandálias não estavam no lugar de sempre. Andou nas pontas dos pés até a escrivaninha onde brilhava enevoado o display com moldura preta e pequenas luzes verdes.
No centro de tela uma janela, um quadrado em flash, que exibia silenciosamente um quarto escuro, uma mesa posta, um casal à mesa; a fartura do breakfast e aquela frase que piscava em arial sublinhado: Follow me.

por Sérgio Araújo

sábado, 1 de agosto de 2009

Monólito

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Eu reconheço este perfume que, de tão íntimo,

Abre janelas na minha previsível singularidade.

Vagando em nuvens de palavras,

Rostos e pedaços amorfos,

Estruturas e monólitos,

A saudade indecifrável.

Teu rosto no rosto de pedra,

Minhas mãos no teu rosto de seda.

Tristeza e alegria.

Parcos ângulos obtusos

Silêncios redondos

Rodopiam na valsa confusa da memória.

Pinçar retalhos de certezas completas

Que já não valem mais

Brinquedos, são o que são.

Afasto agruras,

Deixo passar o beijo, o olhar de desejo,

A noite eterna

E o dia submerso na maciez da pele.

Falas,

Amigos,

Um futuro distante que hoje é presente

E a gente nem sente.

Deixo aberto o portal antropofágico,

A desordem,

O exatamente inverso do que sou

Para soar humano

Na natureza caótica do meu corpo

E na coerência do sonho.

 

por Sérgio Araujo