sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Atalaia

Anastasiya Markovich-Balls of World
Do alto do minarete, o muezim¹ observa atentamente aquele que lhe pareceu um almóada², marcando a areia fina do deserto com a barra do seu traje berbere.
Mechthild, absorta em sua tarefa de investigar a procedência da intromissão no processo de monitoramento das transferências, manipulava os controles como se fosse um autômato, sem a interferência nefasta da emoção.
- Averróis, mestre dos mestres. – sussurrou o caçador ao passar diante da Mesquita que se impunha solene na aridez da paisagem. O estrangeiro percebeu o movimento do estranho berbere e caminhou em sua direção como se percebesse a necessidade de fazê-lo. Não tinha conhecimento do encontro e, no entanto, sentia-se atraído pela figura vestida de negro que andava deslizando com as mãos ocultas nos muitos panos da sua roupa.
- Mas que diabo quer dizer isso? – indagou incrédulo o pobre Jacques.
Mechthild não respondeu, continuava a digitar sequências incontáveis num teclado numérico.
O muezim contava os metros que separavam o caçador do estrangeiro e testemunhava, sem saber, um encontro impossível para ele e seu universo real.
- Achei, achei... – disse Mechthild, aos gritos, assustando os presentes naquela sala.
- Quer ajuda? 
- Não é preciso Jacques, obrigada, já estou quase.... lá. E dizendo isso, lançou um olhar decisivo ao écrã suspenso à sua frente.
O caçador está diante do estrangeiro.

Este é um conto que está sendo publicado em capítulos. Portanto leia também e na ordem: Lapso, 404 Error, O caçador I, Simulacro.

por Sérgio Araújo

¹ encarregado de anunciar em voz alta, do alto dos minaretes, o momento das cinco preces diárias na Mesquita.
² Os almoádas surgiram em Marrocos no século XII, descontentes com o insucesso dos almorávidas em revigorar os estados muçulmanos na Península Ibérica, bem como em suster a reconquista cristã.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Código













O código
derrama suas tags
na fronte
do instante HTML.
Saliente,
decide sobre o umbigo
do conteúdo
no espaço limitado
do seu corpo que,
intransigente,
se revela opaco e solúvel
na edição intempestiva
da escrita automática.
Doravante,
arvora-se síntese
replicante
e paradoxal,
movendo-se
autóctone
na simplicidade aparente
das calvas páginas virtuais.






O código
derrama suas tags
na fronte
do instante HTML.
Saliente,
decide sobre o umbigo
do conteúdo
no espaço limitado
do seu corpo que,
intransigente,
se revela opaco e solúvel
na edição intempestiva
da escrita automática.
Doravante,
arvora-se síntese
replicante
e paradoxal,
movendo-se
autóctone
na simplicidade aparente
das calvas páginas virtuais.




quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Kino

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O mar. O olho ronda o fio das águas rasas e revela a âncora enfiada na areia. Conchas, bóias de salvamento flutuam, correntes avançam corroídas.
O sábio do futuro é a lança que repousa na laje à beira-mar. Ancorantes retomam antigos pensamentos que diziam:
Depois de muito relutar,
Ligeiro,
Quase que esperava pela sua ausência.
Ela estava
E o roteiro rabiscado em papel quadriculado
ficou sem sentido.
Assim como a metáfora solta ao acaso, as palavras são redondas como se viessem de lábios de cristal.
Correntes, contas e traços descalços como flores no caos. Tensão entre a tragédia e a farsa.
Ancorantes, saltimbancos profetas da ataraxia!
Façamos o jogo.

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Haicai III

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Em meio aos versos rabiscados de hoje,

Sou criança perdida em terra estranha.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Haicai II



Na manhã, entre flores e árvores,
O teu sorriso
Explode em minha cara
Com gosto de laranja.




por Sérgio Araújo

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Haicai I


Tarde calma de verão,
Um poema na cabeça
E rimas soltas no chão.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Ditirambos na praça

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Não te dou a poeira das ruas,

A sujeira dos becos

E as misérias dos homens.

Antes, como um mágico,

Como um sátiro na praça dos ditirambos,

Invoco poetas já esquecidos,

Sonoras sereias,

Umas tantas coisinhas de vidro

E um comprimido de aspirina.

 

por Sérgio Araújo

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A noite, a estrada e o silêncio

A cidade, ao longe, flutua com suas pequeninas luzes. Presépio perdido e difuso dissolvendo-se na escuridão num jogo de esconde-esconde, colina após colina, com seus mistérios na frieza da noite alta.

Aqui, um cheiro forte de maçã. Além, os limites acesos da estrada sinuosa que em breve revelará, escondidas sob a neblina, as ruelas silenciosas que abrigam casas pequenas e sombrias, cheias de memórias.

Podia molhar os meus pés na relva úmida à beira da estrada e ficar ali a contemplar o céu aberto e brilhante imaginando histórias que nunca seriam escritas. Sentir apenas. Tatear o espaço, enxergar com a imaginação, degustar meus pensamentos como se fossem vozes varando o silêncio da minha solidão.

Por que não faço o que me pede o coração, posto que dorme a razão intransigente e nesse instante flutuo com a cidade ouvindo poesia na folha que agora cai sem rumo e perde-se para sempre no breu da curva.


por Sérgio Araújo