sábado, 29 de maio de 2010

A Notícia

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Quem olhasse para o estrangeiro naquele momento, veria seu corpo iluminado como se um raio de luz incidisse sobre a superfície plana de um espelho, projetando-se sobre sua figura nebulosa que desaparecia enquanto a luz se intensificava e se expandia ferindo o espaço que o separava do caçador.

Em sua curta duração, o raio de luz marcou a trajetória sobre o topo do minarete cortando-o como se fosse uma espada lançada da região oculta dos cúmulos que pairavam sobre a cidadela distante.

Na sala de controle, o alarme sonoro indicava situação de perigo. Há poucos metros Dalí, um Volvo XC60 corta a gelada Route de Meyrin .

O Caçador, atônito, aguarda novas instruções. Mechthild manobra o carro para abastecer na Garage Meyrin-Douane enquanto o celular toca.

- Venha imediatamente!

- Estou chegando – disse pensativa.

Avançou deixando uma nuvem de vapor sobre a via molhada. Na sala de controle, Jacques lhe espera com uma expressão de espanto.

- O que houve Jacques?

- Um incidente, uma situação desconhecida, algo saiu errado e cancelou o sinal do estrangeiro justo no momento do encontro com o caçador.

- Como assim? – perguntou Mechthild surpresa com a notícia inusitada.

- Veja você mesma, - Jacques aponta para a tela que ainda mostrava o caçador parado sobre a areia quente vasculhando a paisagem com os olhos.

- Reúna a equipe e avise à sala 404. Temos um problema!

O Professor Cox entrou na sala, apreensivo. Mechthild caminhou em sua direção e entraram na pequena sala de controle da segurança.

- Tenho más notícias. – Murmurou o professor Cox enquanto fechava a porta de vidro e apertava o botão para trancá-la. 

- Estamos lidando com esta situação há várias horas e agora aparece isso...

Com alguns toques, fez surgir na tela do notebook sobre a mesa um título encimando uma foto do LHC: Man arrested at Large Hadron Collider claims he's from the future.

Leia também e nesta ordem os capítulos: Düsseldorf-Deutschland, O Estrangeiro, O olho de Hórus, Simulacro, Atalaia, A Notícia.

 

por Sérgio Araújo

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Reversos

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Não penso em poesia

Como versos.

Antes, reversos.

Transcrevo os meus próprios textos

Que transgrido na tez insípida do papel.

O que me importa

É o código aberto, o incerto;

O que muda ao gosto do cliente

Que trai o dito e, no desdito,

Reescreve incógnito

Os seus próprios versos.

 

por Sérgio Araújo

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Minimamente

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Eu queria ouvir palavras que me dissessem do início,
Que me apontassem os fins,
Que sorrissem pra mim,
Assim, minimamente…
Queria palavras teclas,
Translúcidas;
Palavras páginas, envelhecidas pelo tato,
Que expressassem o que sinto agora:
Uma música de gentes e coisas
Com letras em vez de notas,
Inverossímil!
Fictícia na película marcada pelo tipo virtual,
Transliteração do caos criador
Em palavrasminhas,
Palavrasua,
Palavraseu,
Palavraeu,
Palavra.

por Sérgio Araújo

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Como gravuras antigas

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Amarelo o sol

E eu caminhei pela areia.

Ontem à tarde

O mar se fez estrada iluminada

Como nas gravuras guardadas em gavetas.

Entes que eu esqueça

Havia tantos azuis, outros tons

E cores mais que não sei de cor.

Sei que passavas às vezes

Com um ar de seda,

Cedinho,

Com o corpo leve em minhas mãos.

Meu relógio de pulso,

Meu mergulho no tempo…

Todas aquelas coisas sob o sol

Eu vejo de novo

E, como se abrisse uma janela,

Digo: Olá!

Minhas mãos ainda estão aqui,

Eu ainda sou eu

Caminhando sob o sol amarelo.

 

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Através das coisas

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Não sabendo mais o que pensar, acomodou-se com gestos lentos ao assento. As luzes riscavam em cores quentes a janela cortada ao meio pela cortina de tecido vermelho. Retalhos de noite.

Escapam-lhe os sonhos efêmeros que escorregam como lágrimas. Através dessas coisas, a moça do lado está mais próxima. Não vê, sente! Ele cavalga agora numa planície orvalhada.

Está coberto de sentimentos e não sabe o que fazer com os potes de palavras que trás consigo. Atira umas poucas ao chão, outras são substâncias, algumas magnéticas. Retalhos de emoção.

Destinos opostos, mesma rota. Ela está no lado da lua. Ele cata na brancura das folhas como parte da mesma visão. Gestos, rostos, uma pálida sombra e uma melodia que levita como névoa na estrada deserta.

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Nave de plasma

563291049_2c8c4b6fe1José estava ficando velho. Apesar da contagem do tempo, não era a cronologia que marcava como tatuagem de dragão, a alma inquieta do nosso amigo. O que ele não tolerava  e lhe tragava a insignificante existência era um querer quase insano.

Ele esperava por não saber procurar. E, nessa espera, desaguava sua incompleta aventura em prosa e versos que, com o tempo, tornou-se um enfado. Já não supria mais a necessidade de transcender os vazios dos dias, a conta não batia e as despesas eram maiores que a receita.

Queria. Não sabia mesmo o quê. Queria talvez o dia com céu azul e alguns cirrus bem branquinhos. Quem sabe navegar no Jet Stream pilotando uma nave de plasma.

José queria, mas não sabia. Certa vez pensou que podia ser marinheiro no barco de Jack London. José era mesmo assim: impressionava-lhe o modo de vida aventureiro e romântico como nos velhos contos que ainda empoeiravam em sua estante.

José estava ficando velho. Apesar da contagem do tempo, não era a cronologia que marcava, como tatuagem de dragão, a alma inquieta do nosso amigo. O que ele não tolerava  e lhe tragava a insignificante existência era um querer quase insano.

Ele procurava por não saber esperar. E, nessa procura, completava a sua aguada estrutura rascunhando o tempo no tédio das horas.

José sabia, mas não queria  viver a insalubridade das idéias comuns.  Nada era tão belo como olhar o mundo com óculos novos, ler “Noites Brancas” de uma tacada só ou ouvir os passarinhos naquela manhã com céu azul e cirrus brancos.

Pensava em ser marinheiro, aventureiro, romântico. José queria acordar de férias para escrever um livro. Queria viajar para a  Rússia, Alemanha e Xique-Xique.

José estava ficando velho e nessa espera desaguava ou, quem sabe, navegava na brancura dos livros tatuando dragões na memória, nas noites empoeiradas da sua existência.

 

por Sérgio Araújo