sábado, 27 de junho de 2009

Silêncio

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O tempo escoou

E eu estou longe

Não te observo mais

Andando descontraida pela calçada

Ou deitada no chão

Com um olhar perdido

Imaginando utopias

Silenciosa ilha.

 

O tempo passou

E eu estou sozinho

Pensando em você

Sonhando, deitado no chão

Observando

O quadro na parede

Minha utopia.

 

Pensei num tempo

Andando com você

No caminho do mar

Na trilha das pedras

Sem tempo

E sem espaço

Descalços no fim do dia.

 

por Sérgio Araújo

Foto:www.flickr.com/photos/sergemelki/

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Súbito

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Súbito
Surge assim
Como quem rouba
Um pedaço de dia
Num instante qualquer
Rasgando fantasias
sonorizando frases
Vociferando melodias
Para mostrar-se
Claro
Como um poema de Emily Dickinson
Atravessando séculos
Num Daguerreótipo country
Com pássaros
E gotas de chuva
A tilintar
Na cobertura espessa
da minha cabeça
Assim
Súbito
por Sérgio Araújo

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Vamos acordar!

3 

Tocou o chão com os pés descalços e retirou-os imediatamente, estava fria demais aquela manhã e ainda não era junho. Com muito esforço, sonolento, endireitou-se na cama e fixou os olhos no telhado baixo e escuro para ver se já havia amanhecido. Inclinou-se um pouco para frente e ligou o rádio de três faixas que ficava sobre uma mesa improvisada com cavaletes de construção.

- Vamos acordar! - dizia a vinheta do programa numa voz meio caipira, de quem diz porque diz, seguida por uma canção sertaneja das antigas, tipo Cascatinha e Inhana.

Cambaleou até o fogão de lenha, pegou o querosene numa prateleira, restos de palha de milho e varou o lusco-fusco com a chama do fósforo, num estalo.

Lá fora os primeiros sons da passarada anunciavam o dia. Um cheiro de fogueira acesa tomou conta do ambiente. Cheiro quente que logo se fundiria com o bafo de café barato e de pão dormido esquentado sobre a chapa de ferro.

- Vamos acordar! - repetia desafiando, o locutor.

Naquela manhã, despertara com a lembrança de um sonho ou talvez fosse uma impressão, um sobressalto capaz de deixá-lo pensativo e meio triste. Não era tristeza, mas nostalgia. Era uma lembrança sem se  lembrar, um perfume que persistia e não se dissolvia na água que agora banhava o seu rosto.

- Eu sou tão jovem! - Que lembranças pesam em minha mente? Que portas deixei de abrir? - Pensou enquanto sentava-se para engolir o café com pão.

Talvez seja ela. De quem não vejo o rosto. Vejo apenas os longos cabelos, a atmosfera alegre e onírica, uma cumplicidade, ternura.

- Quero voltar ou seguir? O que procuro está no passado ou no futuro? - pensou enxugando uma lágrima.

O rádio agora transmitia as notícias do dia.

Enquanto se olhava no espelho, tentava afastar aqueles sentimentos. O sol tomou conta da pequena sala vazia. Lá fora as pessoas passavam, alguns meninos fardados iam para a escola e o pára-brisa do automóvel no lado oposto da rua refletia o sol em seus olhos a ponto de não ver mais nada.

- Acordei! - disse com voz de locutor de rádio e bateu a porta.

 

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Palavrascoisas

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                                          Nada

                           Um vazio

Onde outrora havia palavras

Palavras coisas

Cantantes

Sonoras

                                                    Como uma flauta doce

                                                              Saltitante

Palavras moventes

Movediças

Palavras lisas

Cordilheiras lexicais

Transmentais

Nada

Um vazio

              Vaso

                     Um Verbo

                                    Ao acaso!

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O velho professor

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Destacava-se suspenso nos ares como uma janela para o passado. Liberto das agruras do tempo em sua carne, o rosto impecável em óleo sobre tela, parecia alegrar-se com o olhar mais atento do visitante curioso. A seus pés, uma pesada mesa de jacarandá reluzente de óleo de peroba, suportava velhos maços de papel, um porta lápis de metal prateado e uns poucos livros encadernados à moda antiga, com letras douradas em papel escurecido.
Teve o seu tempo. Fertilizou-o com suas letras envergadas pelo peso dos sentimentos e, acolá, esvoaçantes como um bando de serenatas ao luar. Construiu versos bêbados, outros encantados e sonoros como o dedilhar das cordas de um violão numa melodia vaga e veloz.
Ele sabia e repetia para quem o pudesse ouvir que o tempo é uma agulha arteira e tece com eficácia o texto dos dias. O velho professor sorri de soslaio e acena imperceptível para os olhos incautos dos visitantes. Naquela sala, o antigo divã roça seus fios arrepiados pelo desgaste, no pé-direito que se ergue solene em grossa camada de tinta azul entrecortada pelas estantes robustas que transpiram leitura, conhecimento em forma de nuvens de palavras, que ainda circulam alterosas pelo ambiente.
Teria sido em São Petersburgo, naquele passeio, do lado direito da Nevski, olhando as belas vitrines numa tarde de verão? Ah! Sim. Com certeza! A paixão foi fulminante e nada nem ninguém poderia tirar-lhe das mãos, aquele livro. Daquele encantamento, brotaram versos e prosas que encheram páginas e mais páginas do seu caderno de capa dura.
O velho professor que agora sustenta um sorriso matizado percorreu mundos e destrancou portas; modernizou-se nos bulevares de Paris. Em seus intensos devaneios, ele percorreu os meandros dos edifícios populosos de Praga para desvendar os mistérios das Moiras.
Se pensas que o pote estava cheio a derramar palavras como a banheira de Arquimedes, estás enganado, meu caro amigo. Aquele velho didata sabia que, como as areias do Saara, o conhecimento não tem fim. Deleitava-se a recordar blowup e aquela cena; não, não era uma cena de cinema, mas uma obra de arte; uma hélice enclausurada no enquadramento em preto e branco; luz e sombra.
Vez por outra, matava a sede revisitando séculos, passeando pelos jardins da Academia e sentando-se à mesa com Sofia, a bela dama, sempre espantada diante da simplicidade mas, carinhosa, em cujo colo suspirou olhando a noite estrelada, sem respostas.
Estava tudo ali, para quem quisesse ver: as histórias, as memórias e, mais que tudo, aquele metasorriso. É isso mesmo! Um metasorriso, um sorriso em si mesmo, encharcado de orgulho intelectual que a modéstia resguardava ante a imprecisão das opiniões alheias.
Desbravador implacável, exímio conhecedor dos caminhos nas estepes; saltador de montanhas e explorador de florestas tropicais. Por onde quer que andasse a imaginação dos poetas, lá estava ele, crítico mordaz, doce agnóstico a comover-se diante da beleza.
Suspenso estará sempre, nos ares, como as nuvens a apreciar contente a gente que ali aprende e que, como ele em sua infância, sonha um dia saber as respostas escondidas nas coisas e admira aquela figura suspensa, retratada em cores sóbrias. O velho professor, que não morre nunca, pois sobrevive não apenas na memória dos aprendizes, mas nos sonhos que brotam dos poetas.


por Sérgio Araújo

terça-feira, 9 de junho de 2009

Blue and Green

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A noite caiu pesada como chumbo sobre sua cabeça. No cais, à espera de Penélope, observava a dança das luzes da cidade refletidas na água. Pensava nas desilusões que a vida lhe trouxe e como aquela mulher havia penetrado fundo no seu coração. Como era serena aquela paixão, como se assemelhava a "Blue in Green" que outro dia tivera a felicidade de ouvir no Café Solano.

O cheiro da noite, o frio da madrugada e a espera. O último cigarro ainda queimava entre seus dedos e novamente aquela melodia.

Intrigava-lhe a maneira como ela entrou na sua vida. Um táxi em plena avenida frenética numa tarde de verão. Os prédios refletiam a intensa luz do sol e do lado oposto da rua: cabelos ao vento, sorriso pleno, decote generoso, mas comportado, quase sincero.

Não tomou o táxi, correu como um louco entre os carros para acompanhá-la. Numa disputa enlouquecida e unilateral com os transeuntes que caminhavam à sua frente, apostava com um depois do outro, pontos de chagada determinados pela proximidade com ela. Era uma maneira divertida de vencer terreno e se aproximar do alvo.

Podia vê-la chegando, podia sentir o seu perfume mesmo embaralhado nos diversos cheiros da rua naquela tarde. Enquanto se aproximava, cada vez mais rápido, pensava se devia falar-lhe, contar da sua paixão imediata, das loucuras que seria capaz de fazer para lhe agradar, das noites incontáveis de amor e vinho.

Penélope caminhava como quem avança para os braços do primeiro amor. Dir-se-ia que flutuava sobre sua felicidade. Não pisava as pedras portuguesas da calçada e ele estava ali, do seu lado, calado, olhando de vez em quando para merecer um sorriso que não se apagasse quando ela, por fim, se voltasse para ele.

O néon meio apagado e avermelhado do bar se avolumava através da chuva fina e Penélope não chegava. O som estridente da rotina policial podia ser ouvido misturando-se ao trompete de surdina que vagava sonolento na bruma do cais.

- Senhor M? - perguntou-lhe o homem de chapéu à sua frente.

Não respondeu. Atirou o cigarro na poça à sua frente e acenou indicando que o seguiria. Fez todo o trajeto em silêncio: o carro veloz deslizando no asfalto molhado, o prédio branco, a sala de espera, o corpo.

Um vulto vagou perdido, quase invisível diante das luzes das vitrines vazias até perder-se na escuridão. No bar da esquina que acabara de dobrar tocava Blue in Green, onde muitas Penélopes iluminavam o ambiente como notas musicais na noite fria.

 

por Sérgio Araújo

domingo, 7 de junho de 2009

36º

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Um papel

Um recado

Um recibo rasgado

Quinze mil cruzeiros

Em outubro de 84

Um cigarro

Um cinzeiro

Populares de Cuba

(Fumar daña su salud)

Rio de Janeiro

Eu não fui pra Aruba!

Li Artaud e Baudelaire

Chutei urna no palco

Meu poema silábico

Você lê se quiser

Sua voz embargada

Na hora marcada

Você diz o que quer

Dança e protesta

Manifesta!

Lê aquela brochura

Ainda há Ditadura

Nós queremos diretas!

Mas ficou no papel

Agora rasgado

Um recibo solitário

De um sonho sonhado

Registrado

No CPF e RG

Cadê Você?

 por Sérgio Araújo

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Quem sabe um dia

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Quem sabe um dia

Eu te mostro a lua

Com sua luz metálica

Numa noite fria.

Quem sabe amanhã

A estrada é deserta

A noite é prata

A relva é vasta

E tua voz é leve

Como uma navalha

Cortando o silêncio.

Quem sabe não esqueço

Teu endereço

E a luz da lua

Nos teus cabelos.

Talvez!

Num desespero de solidão

Na escuridão

Eu possa te ver

Como na primeira vez

Naquela noite

Na imensidão prateada da lua.

 por Sérgio Araújo

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A casa de Manuela

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Olhando do alto, ela ocupava um retângulo estreito entre duas casas maiores. Telhado de duas águas frente e fundo com muitos anos de sol e chuva, emaranhado de barandões, sacos plásticos e um kichute que só Deus sabe com foi parar ali.
A rua se alongava numa reta após uma curva leve ,cujo côncavo pertencia à vista da janela muito baixa e estreita que, quando aberta, emoldurava uma parede azul e,  no canto, à direita, a madeira torneada do braço do sofá.
Daquela casa, quase que não se podia dizer-lhe a cor. Talvez um branco levemente azulado ou um azul claro esbranquiçado com manchas cor de rosa aqui e ali, em algumas partes via-se um verde aguado denunciando as diversa pinturas por que passara através dos anos.
Chapéu–de-couro, margarida, onze horas, erva cidreira, boldo e outras tantas que se misturavam às ervas daninhas, papéis de balas e tocos de cigarros que formavam um conjunto colorido à entrada da casa, tudo isso margeando um caminho de cimento sobre a terra, rachado e enegrecido pelo tempo.
Pelas frestas, via-se o interior humilde e limpo. Do conjunto de som de duas caixas grandes com tweeters, soava forte, Me and Bob Mcgee e, de vez em quando, os sucessos do momento, mas apenas no rádio.
Na sala, um sofá coberto com uma colcha de chenile cor de abóbora, uma mesinha de madeira encostada à parede, num canto, coberta com uma toalha branca sob um vaso com flores artificiais. Na parede, um quadro com moldura ovalada  de pintura barata retratando três crianças com trajes antigos.
Um cheiro  leve de parquetina inundava o ambiente. O ar era frio, mas não úmido, refrescado pelo vento constante que, numa corrente invisível, lambia sem pudor as paredes lisas, o chão de cimento vermelho e o telhado suspenso nos caibros de madeira fina.
Manuela quase nunca estava lá. Trabalhava como professora primária num bairro distante e fazia bicos em outras atividades. Diziam que tinha uma vida obscura, para além dos muros da escola estadual. Sussurravam as fofoqueiras que Manuela  era isso e aquilo. Diziam que tinha um filho, ninguém sabe onde nem com quem. O certo ou quase certo é que o menino era criado pela mãe que morava sozinha no subúrbio.
Manuela gostava de música. Quando abria a casa e estendia os lençóis na janela, um festival dava início. As canções não tinham pátria, as línguas se misturavam como numa Babel sinfônica, quintessência do bom gosto: blues, rock, samba de Cartola, Adoniram e Batatinha; Chico Buarque, Rita Lee, Caetano, Pink Floyd , Yes, Led Zeppelin, B. B. King, Beatles, Piazola, Bessie Smith e Miles Davis.
Manuela não era bonita nem feia. Manuela era Manuela. Não gostava de ser vista nem ouvida. Dizem que era feliz à sua moda; que namorava um garoto de dezesseis para contrastar com os seus 37 e não dava bola pra ninguém.
Manuela, sua casa e sua música. Assim foram-se os anos de Manuela e dos amigos de Manuela e dos gatos malhados rondando e roçando na porta para entrar.
Certamente existe um tempo e um lugar fora dos tempos e dos lugares para onde vão as Manuelas, suas casas e suas músicas; para onde vão as as palavras iluminadas pela poesia da vida. Strawberry fields forever, Manuela!

por Sérgio Araújo