terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Poema de 18 anos

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Cansei do filtro de flores e cores no meu olhar.

Vejo a vida que passa

Do lado mais belo.

Não enxergo as nuvens

Que passam por mim.

A cada passo que dou,

Enxergo menos.

A nebulosidade expande com o tempo

Uma teia bela e confortável.

Agora, o que faço?

Imersa em conceitos filtrados,

Censurados,

De um mundo “adequado”.

No outro lado,

Sentado diante de mim,

Num canto escuro,

Alguém grita

E eu não sei o que fazer…

 

Poema de Taynã Souza, minha filha.

(Te amo muito e espero que goste desta surpresa)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Correnteza

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Na estrada, seguindo estrela

Caminhando devagar

Cruzando a vida, feiticeira

Com vontade de ficar

 

De todo feito pra vingar

Nessa estrada sorrateira

Siso pouco, muito amar

Solução se faz primeira

 

Construí casa de cera

Castelos à beira mar

Muros, ponte, ribanceira

Para ver tudo passar

 

E o que passa vai voltar

Quer queira ou não queira

Tudo tem o seu lugar

No meio da correnteza

 

por Sérgio Araújo

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Pixel

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NNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNÃO

ÉEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE

OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

AAAAAAAAAAAAÁTOMOOOOOOOOOOOOOO

QQQQQQQQQQQQQQQQQQQQQQQQQQQQQUE

ASSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSOMBRA

EEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEÉ

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

SOMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMBRA

DOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

AAAAAAAAAAAAAATÔMMMMMMMICOO

DESEJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJJOO

 

por Sérgio Araújo

sábado, 19 de dezembro de 2009

Pé de vento

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Tudo transcorria na mais absoluta simplicidade que a verdade encerra: Maria era casada com José, dois mais dois era quatro e o domingo era o dia do descanso.
Havia uma paz celestial, azul como as cuecas do Papai Noel e serena como mãe d’água absorta a acariciar os cabelos sobre a pedra lisa na margem plácida do rio.
Joaquim e sua amante; o tenente renitente e toda a gente supunham-se contentes em suas premissas verdadeiras. Não importava a ausência do seu filho mais valente, o José, que por caminhos impensáveis, andou riscando traços em terra e barro de longínquas plagas.
Joana cabeleireira, migrante por inteira, voltou certo dia com mala, cuia e Sarita, filha das tardes livres no salão vazio, das vozes roucas e coisas poucas do amor de João.
Menina aplicada, Isaura foi mandada, transferida, maculada. Da capital voltou fessora, cabo de vassoura, mais esperta que na ida. Para curar sua ferida fez palanque, voto e veto no caminho do poder e da fé.
Para quem ficou sobrou assento, mas nenhum pé de vento. Tudo era lento, o cabra zangado, o fogo de Elvira, a febre do mato e pobre no relento. Tudo era igual como fora antes no mundo pequeno do desconsolo.
E o rio manso, nas longínquas plagas de Joana que não tem o amor de João, que traiu José com Maria, que casou com Isaura por poder e toda a glória, corre agora colina abaixo entre pedras polidas, adentrando a mata, materno ventre.


por Sérgio Araújo

domingo, 13 de dezembro de 2009

Festim antropofágico

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Suspenso no fio tênue do seu sonho contingente, ele olhou em volta e percebeu, com espanto, quão diferente era a realidade posta na mesa da indiferente contagem dos dias.

Do alto, o olhar se expande e alcança surpreendentes formas que se insinuam e contam histórias com tramas embebidas nas profundezas da agonia e da dor. Neste caldo prenhe de solidão, apenas treva e vento inverso margeando dunas esculpidas pelo som arredondado de um violino.

Como um acrobata ébrio no olho do furacão, conta riscos luminosos e sombras obesas e vorazes que se avolumam ainda mais saciando sua fome num banquete biológico, fagocitose pictórica e dominante.

Mesmo que todos os ventos soprem sobre sua cabeça metálica, vale a  visão e o conhecimento do fogo e da água, das pedras que andam, de todo o mais e de todo o menos que os dedos podem alcançar nas cordas da guitarra.

E alguém grita:
Desce daí e vem ser fera,
Mas diligente
Como na última valsa
Que partilhamos na noite fria.
Desce para cantar
E contar
Em praça pública
Sob os olhares da turba
Que tudo é ilusão
É vento
Vulto
Vão.

Ouviu palavras ocas, cascudas, escorregadias, repulsivas como vômito. Não se empenhou em procurar definições, ele espalhou sua embriaguez no festim, assoberbado.

Liberto da fama e de todo o conteúdo singular, quer formar legiões trôpegas e procissões nômades. Não mais o belo. O grotesco é o interregno das cores e odores, das formas que nos fornos se formam em finos traços.

E na praça,
Sob as pedras da turba
Tudo é peso
Prisão
Pó.

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Polaroid

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Aqui, onde estou,
Posso diluir-me num verso
Para caber no espaço do teu riso.
Posso colher mil maneiras de te amar,
Sonhar em cinemascope
Nosso beijo lírico de domingo.
Rabiscando agora,
Nesse velho caderno colegial,
Sou ciência humana transitória.
Sou saber perdido na tua memória,
Fotografia em preto e branco
Da minha antiga Polaroid.
Aqui, onde estou,
Posso construir meus versos em silêncio
Para exibir estático numa tela,
Posso fazer uma fotonovela
E colher o teu sorriso breve
Para fazer figura leve
No espaço cênico do poema.



por Sérgio Araújo

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O caçador I

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Quando abriu os olhos, ainda ofuscados pelas luzes intensas do “carrossel”, conseguiu perceber que estava diante de um paredão imenso e belo. Figuras em alto-relevo cercadas de hieróglifos contando histórias que, em breve, poderia observar em toda a sua integridade sem a intervenção de um narrador nunca imparcial.

O ocre em pedra sulcada pelo tempo era muito diferente do cinza encorpado da ultima parada na R.A. de Düsseldorf.  Novo erro na  transferência. Não deveria estar ali observando as tiaras de antigos Faraós e deuses compenetrados.

Deslizando o dedo indicador sobre o teclado negro do console, Mechthild interrompeu o sinal sonoro e desejou firmemente que esse erro fosse um dos incontáveis acidentes já previstos na complexidade do algoritmo da sala 404.

Mechthild olhou firmemente para o assistente e, confirmando uma pergunta que ninguém ouvira naquela sala, deu a ordem para o lançamento do caçador, cuja missão era repassar ao “estrangeiro” as instruções para resolver o problema nas transferências.

Não era uma tarefa fácil. O caçador tinha que se manifestar na realidade alternativa como um elemento nativo que, por sua vez, provocaria uma ação consciente do estrangeiro após perceber o fato como uma intervenção do LHC.

Em segundos, o caçador foi lançado. O estrangeiro ainda admirava a beleza da arquitetura antiga e nem percebeu quando, no meio de uma coluna de caracteres que dividia cenas que exaltavam a magnificência do Nilo, o olho de Hórus mostrava a direção a seguir para o único encontro, no único momento possível para a comunicação salvadora.

por  Sérgio Araújo

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Singular

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Apenas um instante

E condensado todo o amor gerado na vida

Explodir no infinito

Sobre o futuro

Além do tempo e do espaço.

Um momento singular

Um salto e solto no ar

Flanar

Com meu corpo inteiro

Minhas sílabas certas

E meu sorriso de criança.

 

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Balão

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Foi um verdadeiro assédio. A semana inteira perseguido por um balão. Mas que  balão poderia ser esse que, insistentemente, pedia para ser projetado na página gêmea do meu blog no  live writer?

Desde então eu lhes digo. Não foi por falta de vontade, mas, até agora, não pude satisfazer ao imperioso desejo de um inconsciente ranzinza e teimoso como o que carrego comigo. Cheguei a pesquisar na Wikipédia e, devido às idiossincrasias da minha conexão provinciana, o máximo que consegui foi: “Balão é um objeto inventado pelo homem”. Apesar desta “esclarecedora” sentença e de mais algumas palavras no topo da página que continuava carregando (até quando, só Deus sabe), não desanimei. Aliás, como podemos tirar proveito até das coisas negativas, essa espera pelo carregamento da página serviu para uma tomada de decisão importante.

Agora sei: não era um balão de ar quente, tampouco um balão de oxigênio, nem um balão de festas, muito menos  um balão mágico. O que me acossava e me interrogava como torturador no auge da sua crueldade era nada mais, nada menos que a própria palavra balão cuja etimologia fico lhes devendo por falta de um dicionário apropriado.

É pela palavra e suas incontáveis camadas de sedimentos discursivos que a separa da sua origem - provavelmente forjada nos primórdios da latinidade – que me entrego de corpo e alma a este labor literário.

Balão é algo cheio, abarrotado, gorducho. Balão é uma palavra gorda e, muitas vezes, morbidamente obesa. Seja como for há um balão de palavras onde, aparentemente não havia nada. Há riqueza na alegoria balonesca:

Bola, bolo, balão.

Brinquedo solto no chão!

Bolo, balão, bola.

Vê se te enxerga e não me amola!

Balão, bola, bolo.

Peguei no rabo do cachorro!

 

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

“404 error”

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- Silêncio! – sussurrou calmamente Mechthild Chetran, enquanto vibravam as cordas do violino espalhando notas tristes pela sala. Lá fora, a neve caia rodopiando ao som do vento.

Não poderia sair errado dessa vez. A final, depois da investigação sobre as causas prováveis da transferência equivocada para Düsseldorf (R.A.) sem que nada fosse detectado, as atenções foram concentradas na resolução do problema.

Naquela Realidade Alternativa, ninguém poderia ajudar. Manter a invisibilidade consentida era uma questão de respeito ao acordo de não interferência nos deslocamentos alheios. Embora os canais estivessem abertos às comunicações, Meyrin (Realidade Física) não pediria a Düsseldorf (R.A.) para intervir. Enquanto isso, o “estrangeiro” tentava manter-se iluminado som as lâmpadas dos postes.

O pessoal do LHC estava tentando uma solução que poderia chegar a qualquer momento dando início ao processo de captura e download para a base em Meyrin. Mechthild esperava com certa preocupação o aviso em frente à Unidade Cavendish ou “o armário”, como era chamada pelos aspirantes.

O “estrangeiro” havia passado por diversas RAs desde 1958 e estava confuso. M. Chetran sabia disso e, enquanto esperava, mantinha os canais abertos e enviava sinais preciosos para a manutenção da integridade física e psicológica do “estrangeiro”.

O Prelúdio de Tristan und Isolde rompeu o silêncio que a situação impunha como o sinal para que o “estrangeiro” pudesse digitar as coordenadas e partir. Ele assim o fez e penetrou cansado e delirante na zona de transferência, consolado no turbilhão de luzes por antigas lembranças da última primavera ao lado de Mechthild.

Quebrando o silêncio da sala, como barras de ferro atiradas ao mármore, o som do alto-falante deu o aviso enquanto da tela, aos olhos atentos, insinuava-se em fade in: “404 ERROR”.

por Sérgio Araújo

sábado, 21 de novembro de 2009

Controvérsia

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Caro amigo Betusco,

O camarada disse que a literatura é uma cadeira. Foi taxativo. Assim mesmo: uma cadeira! Não se sabe se uma cátedra, num resgate histórico do valor do termo na cultura ocidental ou se estamos tratando de uma dentre as mil que saem por hora da linha de montagem da fábrica de cadeiras. Seja como for, não é um bom negócio. Ops! Literatura é um bom negócio? Talvez! E eu me vi, de repente, numa brincadeira, êpa! Quer dizer, num jogo das cadeiras. Sabe? Aquele jogo em que os jogadores vão correndo ao redor de algumas cadeiras ao som de uma musiquinha qualquer e quando o monitor interrompe a cantiga todos têm que sentar só que tem uma cadeira a menos em relação ao número de participantes.

Eu fiquei sem cadeira, meu literato amigo. Não seria a literatura, antes, um jogo? Quem sabe um jogo de cadeiras? Assim como no jogo, eu não tenho que ficar confortavelmente instalado, palitando os dentes e coçando o saco (com a mesma mão) enquanto os demais jogadores dão voltas em torno de mim e eu me deleito com a colocação perfeita das vírgulas. Literatura é perdição, desordem, reconstrução; é sentar num foi de arame estendido entre duas montanhas e gritar quando todo mundo se cala.

Olavo, o Bilac, desdenhou de Augusto, o dos Anjos, e hoje se lê mais Anjos que Bilacs. A fronteira é móvel e o exército improvisa ao sabor das eras e feras do tempo.

Eu quero o sabor do texto, a as cores das palavras, o som das letras perfumando as frases macias ou ásperas como a casca do abacaxi. Eu não quero uma cadeira, eu quero sentar no chão e sentir o calor da terra. O resto eu deixo para os revisores (os do word ou similar) que é o que todo mundo faz, ora bolas...

Abraço.

P.S. As palavras tachadas foram rejeitadas pelo verificador ortográfico do Word. A culpa é do Bill Gates.

 

por Sérgio Araújo

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Limite



23:59

O cabo negro e estriado serpenteava pelo piso de madeira enroscando aqui e ali nos móveis estragados pelo tempo e seguia mesa acima tão esticado que perecia poder partir-se a qualquer momento.
Sobre a mesa jazia um copo de papel, vazio, desses de aniversário, com motivos infantis: um palhaço com cabeleira colorida, serpentinas,confetes, língua-de-sogra, tudo isso com muitas cores para fingir alegria e comemoração. Adiante, refletindo a luz de uma lâmpada incandescente, como uma serpente estreita e verde, escorria lentamente o líquido derramado do copo em direção aos dedos finos e inertes de Teresa.

23:58

Um relógio despertador emoldurado por figuras de anjos barrocos cavalgava uma mesinha de cabeceira com duas gavetas entreabertas. Mais adiante, em diagonal, a sombra com gestos leves tingia a parede branca do quarto de Teresa.
Como num sonho ruim, ela acordou sufocada pela secura do ar, os cabelos molhados de suor que também escorria por todo o corpo e abriu os olhos a tempo de ver-se através do espelho da penteadeira, flutuando como a assistente do mágico no circo Eureka.
Na sonolência que ainda sentia, zonza e surpresa pela insólita situação, Teresa não sabia se flutuava pelo quarto como um astronauta ou se o quarto era uma espaçonave que lhe acolhia com gentileza e a fazia sentir-se bem na incerteza dos fatos. O certo é que agora sobrevoava a mesa da sala que ainda guardava os restos da festinha de aniversário do seu único filho.

23:57

No televisor ligado, Tom corria desesperadamente atrás de Jerry e derrapava numa esquina como um carro no asfalto molhado.

23:56

Teresa imóvel na cama, não sabia da noite e o que lhe trazia, não sonhava, não cabia no tempo estreito que agora tinha.

23:55

A porta abriu com um leve estalo. Agigantando-se pela sala vazia, a sombra com chapéu atravessou o corredor esfregando-se ora numa parede, ora na outra empurrada pelas luzes dos outros  cômodos que se alternavam ao longo do caminho. Parou em frente à porta do quarto onde Teresa dormia, empurrou-a devagar jogando uma tira de luz sobre as suas pernas brancas.

por Sérgio Araújo

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Homens Simples

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Homens simples

Homens que nascem com o sol

Todos os dias,

Que brilham e ficam tristes,

Pedem paz e olham-se nos espelhos de casa

Todas as manhãs.

Com que caras irão para as ruas molhadas pela chuva?

Amam o sol da tarde morna,

Sonham sob um céu de claras contas.

Homens simples!

São crianças, o que eu vejo

Por trás da cortina fria da melancolia,

Além do olhar grave,

Da incerteza esperta,

São crianças sem brinquedos.

Simples crianças;

Aprendizes itinerantes

Com seus olhos rasos.

Não se enxergam na simplicidade do dia.

Homens simples!

Como talvez seja o mundo,

E o tudo e o nada,

O Subterfúgio

E a gota d'água que hora pinga

[Insistente]

No meu rosto sorridente.

 

por Sérgio Araújo

sábado, 7 de novembro de 2009

Devir

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Num instante é brisa, no outro: EVENTO!


por Sérgio Araújo

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Lapso



Não conhecia nenhuma daquelas pessoas que transitavam freneticamente pela ladeira íngreme e estreita. O fluxo constante deixava-o atordoado e aumentava a sensação de abandono que havia surgido desde que se dera conta da situação em que se encontrava.
Foi como se tivesse surgido do nada. Encostado no velho poste de ferro reparou na marca de fabricação gravada no metal:Düsseldorf -Deutschland.
Aquelas palavras não saiam da sua cabeça e ficou repetindo: Düsseldorf, Deutschland, Düsseldorf...,enquanto caminhava em meio àquela gente calada e, aparentemente, insensível.
Subiu alguns metros, desceu outros tantos... Na verdade, não sabia para onde estava indo nem tampouco aonde se dirigir naquele lugar estranho.
Não estava em outro país! Embora estivesse com medo de falar com as pessoas, de perguntar-lhes onde estava,sentia familiaridade nos cheiros, sons e texturas que impregnavam os sentidos.
Não era medo, de repente soube, o que lhe impedia de comunicar-se. Era antes, uma certeza absoluta sobre a impossibilidade de comunicação com aquela gente fria e distante. Por um momento, orgulhou-se disso. Sorriu com o canto da boca para não deixar que percebessem o prazer que sentia.
Düsseldorf - Deutschland! Voltou  ao velho poste que suportava uma pequena lâmpada suspensa na extremidade oscilante de cano escuro que surgia do corpo negro do poste fabricado em Düsseldorf,Deutschland.
Parado ali, não se importava mais com aquela gente. O sistema voltou a funcionar normalmente. Digitou as coordenadas e desapareceu.

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Silenciosamente

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Como slides sem as cores vivas do presente,

Eu os vejo, rostos que nunca envelhecem.

Sensações perdidas, sorrisos francos.

Sombras na memória, deslizam velozmente

E me aquecem

Suavizando meu pranto.

Preciso de tudo isso, mas por enquanto,

Vê se me esquece!

Perdido e inconsequente,

Vou aos trancos e barrancos,

Revivendo as cores que esmaecem

Silenciosamente.

 

por Sérgio Araújo

sábado, 24 de outubro de 2009

Inventando a esperança



Ontem sonhei com uma criança
Que na sua dança
Inventava a juventude.
Sonhei com a terra que, amiúde,
Era toda a gente do mundo.
O mar não era profundo
E o céu era o teto da casa
Pingando estrelas esparsas.
Sonhei contigo
A procura de um abrigo
Sonolenta na relva fresca.
Sonhei que ontem era amanhã
Que toada doença era sã.
Sonhei que era criança
Inventando a esperança.


por Sérgio Araújo

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Paisagem



Tarde quente de outubro:
Silenciosa,
Ácida.
Sem sombras na rua deserta e abrasiva.
Acolá,
O azul marinho pinta o horizonte
E revela uma poesia de bossa nova.
O vento liberta um pássaro veloz,
Ascendente
Que respinga gotas sutís
No meu rosto
Quente como a tarde.

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Girassóis



Bebeu cada gota de horizonte como se fosse luz nos lábios dos girassóis!

por Sérgio Araújo

domingo, 11 de outubro de 2009

Sem lei e sem ordem



Não seria nenhum pesadelo
Perdido, sem lei,
Sem ordem,
Só com minhas lembranças
E pretensões.
Andando no meu caminho,
Ou Parado
De frente para mim.
Assim...
Com coração e mente.
Apenas um,
Que, de tão contente,
Bastasse o vento.
Sem tempo
Sem.


por Sérgio Araújo 
Foto Vladimir Dranitsin

sábado, 10 de outubro de 2009

Travelling



Travelling em primeiríssimo plano na delicadeza da nuca. Sob uma camada suspensa de fios dourados penetra em caracóis que se desfazem suavemente...

por Sérgio Araújo

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

[ # ]



Com um sorriso catártico e olhos abertos para a profundidade do momento, flutuou ao som da clarineta dedilhando um alaúde invisível para acompanhar a delicadeza e a feminilidade da voz que cantava: “hello, my love, now you're alone”.

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

[ Solidão da noite ]

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Enquanto caminhava devagar, lançou um último olhar para o quarto vazio. Nada a fazer senão descer as escadas e ganhar a rua que, naquela hora, estava quase deserta. Desceu degrau por degrau a escada em caracol, arrastando os pés de propósito para ouvir o eco na solidão da noite.

 

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Como ondas num lago

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Gostava de falar das coisas que, por um triz, escaparam do seu olhar atento e de toda a vivência que poderia encantá-lo e transformar os acontecimentos em sólidas cosntruções na memória. Mas, de qualquer forma, ele viu todas essas coisas e tinha delas uma saudade sublime.

Ele precisava delas para se achar. Não se achava em lugar algum sem os detalhes. Eles não são determinantes, mas fazem a conexão necessária ao estar ali. Era como se tentasse ocupar uma vaga antiga, algo como uma mossa num espaço vazio e plano que apesar de não ter existência concreta, física, permanecia intacta, à espera de um acoplamento que fizesse jus à sua existência.

E quando os ares impregnados de amargura comprimiam as coisas dos dias, ele procurava abrigo nos detalhes que, como uma chave mestra, lhe permitia abrir os momentos passados e recontar para si mesmo, restaurando migalhas das experiências como se fosse dar vida nova a uma obra de arte quinhentista vilipendiada por ignorância e desleixo.

Era assim, reencontrando-se e perdendo-se nos extremos das coisas, que ele fazia a sua arte para apartar-se de si mesmo. Nesse processo, encontrava o seu lugar, sua propriedade imaterial. Coisas de sentimento; signos inflados pela imaginação e arrumados para significar ampliando-se como as ondas bidimensionais se propagam num lago sereno.

 

 por Sérgio Araújo

sábado, 26 de setembro de 2009

Nuvem

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O código expresso

Impresso

Virtual

Sem identidade

Só me reconheço

No discurso possível

Passível

Inautêntico corpus

Generalizador

O que eu tenho a dizer

Arranha o disco rígido

do meu computador

Eu me estranho

Eu não sou eu

Sou aquilo que me generaliza

Nuvem

Neblina

Perspectiva.

 

por Sérgio Araújo

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Oitão

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Era um caminho para o céu. Não. Não era um caminho, mas um túnel do tempo, uma passagem secreta para outra dimensão. Podia ser tudo isso se não fosse um simples oitão; estreito como deve ser um oitão que se preze. Aquele vão comprido e apertado tinha a sedução das coisas proibidas. Eu sabia que não podia entrar ali, mas queria aquilo como desejava aquela bola branca da promoção da Bombril.

Aquelas bolas brancas com a logomarca vermelha do fabricate estavam nos sonhos da molecada. A TV convencia e a gente pedia aos pais para comprar. Menos eu. Meu pai tinha um armazém e eu passava as tardes a desmanchar pacotes, escondido. Juntei cinco vales-brindes. Um cupom azul que dava direito a uma bola, trocado nas lojas Mesbla. Foi assim que eu consegui jogar em todos os bábas que se formavam depois da escola.

O campinho ficava em frente ao oitão e, volta e meia, a bola rolava em sua direção, escorregava pela pequena vala que parecia um leito seco de rio a se estender oitão adentro. E era assim nos tempos de chuva, as águas escorriam entre as paredes para desaguar no quintal de dona Miúda.

A bola teimava em correr para aquele lado. Além do claustrofóbico vão, naquele lado do campo também ficava a casa de Zé Amarelo, conhecido rasgador de bolas.

Naquele dia, a bola rolou devagar até perder-se oitão adentro. E lá estava eu, espremido entre as suas paredes. Sufocado, sangrando, em desespero, imaginando ficar preso ali para sempre, vendo as paredes comprimindo o meu corpo, o céu baixando, o chão fugindo e o ar faltando.

Foi ai que a vi, Sônia morena, parada no fim daquele túnel, aquele insuportável, longo e escuro túnel em que o oitão tinha se transformado. Não era a bola, esquecida no sufoco da situação; era a coisa mais linda que até então eu tinha visto. Como um holofote, um raio de sol iluminava a sua face e os seus cabelos que caiam displicentes sobre os ombros.

Compenetrado, como um herói dos seriados vespertinos, lancei-me para fora como que saindo do ventre materno, um parto difícil e exagerado nos movimentos para conferir valentia e superação diante do olhar enternecido da donzela.

Com o coração aos pulos, alcancei a rua, depois o campinho e nunca mais a vi. Nem a minha Sônia, nem a bola da Bombril que foi devidamente rasgada pelo implacável Zé Amarelo, tio da donzela encantada e dono do oitão das minhas desventuras.

 

por Sérgio Araújo

Crônica publicada em primeira mão, a pedido do meu amigo Wellington de Cachoeira-Ba, no blog http://letoooutroolhar.blogspot.com/

domingo, 20 de setembro de 2009

Releituras

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Cá estou embriagado de verde e suspenso no azul celeste que invade todas as manhãs o meu quarto infestado de palavras. Muitas antigas, umas tantas rebeldes e outras fantásticas como uma ilha perdida ou uma cidade do sol.

Muitas histórias que não escrevi, mas gostaria de Tê-las escrito. A noite fria sob um barco velho na beira do rio, os corpos solidários, o belo nascendo do feio, o particular ampliando-se nas paixões comuns a todos e em todos os lugares.

Viajo solitárias léguas num caminho sem fim para esperar numa estação o meu trem expresso. Sem pão e tostão, vagando no universo das minhas fantasias onde cidades se erguem após as colinas e se estendem pelos campos com seus campanários e edifícios alvos refletindo a luz calma das manhãs.

Admirável é a aurora que se anuncia ainda na torpeza do dia, assim como escolho a leitura na minha estante pela antevisão que o conhecimento da obra me permite.

Eu reconheço as palavras que injetei nas veias e entranharam-se em mim, em cada célula, em cada átomo que agora, aos poucos, vão revelando os processos e eu posso lê-los.

 

por Sérgio Araújo

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Capistrano e o vento

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Capistrano, filho de Eliodoro e neto de Capistrano. Esse era seu orgulho. Lá para as bandas do Oricó não havia riqueza maior que uma descendência contada e recontada pelas honras do trabalho honesto. Sua força vinha daí, do amor de Madalena e do filho Elinho.

Naquele sábado, voltando da feira, Capistrano levava os pedidos de Madalena; um doce pra Elinho e uma canseira danada. Andava para poupar Cipó que já suportava dois panacuns cheios das coisas que comprara com o dinheiro do seu comércio.

- Eia! Cipó. - num grito entrecortado por um assobio - vamo, vamo!

A estrada se alongava perdida entre os cacaueiros que a margeavam. O sol estava a pino e o jumento cipó, de vagar, marchava com os olhos fechados e a cabeça baixa.

Caminhava há duas horas e ainda faltava mais duas para chegar em casa. Era um pedaço de estrada de terra, um tanto de roça de cacau, outro de manga, o último trecho de mata e a velha casinha de taipa se mostrava em sua humildade barro e palha.

A estrada era varrida pelos ventos de agosto. O farfalhar constante era às vezes tão intenso que amedrontava. Dava a nítida impressão de que a floresta ia engolir a todos como uma bolha verde e revolta com sua boca enrugada e amarga como a casca do pau d'arco.

Capistrano ia cantarolando em pensamento as velhas canções da Vó Minervina e, vez por outra, interrompia a cantoria para relembrar os causos de pé-de-fogueira em noite de lua, com a família reunida no terreiro varrido de véspera; prato de aipim com carne e a caneca de café pilado com cravo e rapadura.

Nessa distração ia Capistrano e nem reparou quando à sua frente, um jenipapeiro fino e alto envergou profundamente sobre a estrada soltando folhas como fogos de artifício na noite de São João.

O vento roçou o corpo de Capistrano e o fez estremecer! Sentiu um frio repentino e agarrou-se à cangalha de Cipó que cambaleava com as orelhas em riste. O vento cresceu como uma muralha à sua frente e despejou os restos da mata com seus cheiros e suas migalhas sobre seu corpo lento e insignificante.

- Eia, Eia. - tentava fazer Cipó obedecer enquanto puxava-o fortemente pelo cabresto.

Cipó fincou as patas no chão de terra e não arredava. Agora eram as compras que começavam a cair quando Cipó empinava ligeiramente para se livrar da fustigação. Foram as panelas, as fazendas, açúcar, café a garrafa de Jacaré.

- Velei-me meu São Benedito! Sussurrou apavorado.

- Eia, Cipó! Vamo, vamo... - implorava como se sua vida dependesse disso.

Cipó empacou e Capistrano agarrou-se a ele como se fora sua única salvação. O vento ficou mais forte a ponto de derrubar uma árvore a poucos metros dos dois. O estrondo fez Cipó relinchar e pular sem sair do lugar e, pulando, derrubava o conteúdo dos panacuns que rolavam estrada a fora.

O horizonte tinha sumido numa polpa marrom e o que era estrada virou céu e o que era céu virou estrada, o vento soprava de baixo pra cima, Cipó com as orelhas no chão, bufava e Capistrano flutuava sobre a Cajazeira que rodopiava e se encontrava com a estrada, ou era o céu? A casa de palha, o fogo as lembranças de Madalena, Elinho na escola, minha velha Minervina, meu pai Eliodoro, São Benedito rogai por nós. Bola de sebo Capistrano na idade de Jesus não pode morrer sem criar Elinho, Cipó já vai alto, o perfume de Madalena, minha sandália, aquele toco...

Aos poucos, deu-se a calmaria! A estrada virou estrada, o céu azulou, Cipó perdido nas entranhas do horizonte e Capistrano dormindo. Descansava, a final, Sob as folhas que ainda caiam, lentamente, sobre sua cabeça recostada no velho toco do Jequitibá.

 

Por Sérgio Araújo.

Foto: Galeria de Voyageur Solitaire-mladjenovic_n -flickr

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

No meu caderno


O brilho das cores, festival.
A garota bonita e sua sobra no muro.
Aonde vai?
O cadarço do meu sapato,
O Cérebro do poeta,
A tabuleta que anuncia:
Compro, vendo, troco,
Não me importo.
Ligue pra mim!
O telefone caminha a seu lado.
Hoje voaremos sobre a avenida
Repleta,
solene na valsa dos rostos, em cubos.
Quero te achar
Depois da partida sem despedida,
Dando voltas com os olhos
E tudo  o que gira
Está sob o céu de ontem,
Dentro do meu caderno de capa verde
Que agora é seu.
É meu pretexto
Pra continuar te encontrando
Nos textos que escrevo.
por Sérgio Araújo

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Leste

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Extenso e estático pórtico

Genérico, caótico.

Guardião do mar, insular.

Do leste o vento

dourado.

Céu mais lindo,

Matutino na primavera.

Barro secular

Escravo no tempo e no lugar.

Erodido em arquitetura evolutiva,

Cativa,

Cooperativa.

Ostra, astro rasteiro

Certo,

Na incerteza dos dias.

 

por Sérgio Araújo

sábado, 5 de setembro de 2009

Atrás do Trio Elétrico

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Desceu do ônibus no Campo da Pólvora, em pleno sábado de carnaval. O tênis novo, bermuda estampada com bolso secreto pra guardar dinheiro e documentos, camiseta regata e três doses de conhaque só pra turbinar a entrada na avenida. O Trio Elétrico dava a volta no Sulacap enquanto Reginaldo deslizava São Pedro abaixo. Ele e uma multidão de mortalhas molhadas, rasgadas, amarradas nas cinturas, arrastadas no chão lambuzado de urina, cerveja e restos de folia.
Reginaldo sonhava encontrar Soninha. Tinha marcado um lero com ela nas imediações do Clube de Engenharia. Ali rolava uma galera legal: a turma da esquerda, alguns roqueiros que não foram pro festival, pra praia ou ficaram em casa ouvindo Black Sabbath; os intelectuais que não pulavam e passavam todo o carnaval discutindo com a turma da esquerda; alguns populares (aqueles das crônicas nas edições de domingo), universitários, bichos-grilos turbinados e, é claro, muita mulher bonita (dos outros).
Aquele pedaço era o local mais quente do carnaval no início dos anos 80. Por ali passavam quase todos os trios e trecos que alegravam a galera. Reginaldo fazia a ponte: um pé na Praça e outro na barraca de Valdir para uma cerveja gelada e uma parada pra cantar as meninas e "se armar" pra mais tarde.
Naquele dia tava tudo certo. Soninha ficou de lhe esperar na mureta do Clube, em frente à barraca de Valdir e nada poderia dar errado.
Enquanto passava por São Bento, Reginaldo ouvia os acordes de Dodô e Osmar na Carlos Gomes e pensava em Soninha lhe esperando na mureta: latinha de cerveja numa mão, um cigarro na outra, os cabelos dourados na réstia do sol que morria na ilha, vermelho.
O Sulacap imponente derramava gente por todos as janelas. Pro lado da Rua Chile, as luzes acabavam de ser acesas e iluminavam restos de Gandhis, aqui e ali, como contas brancas que escapuliram dos colares dos Orixás.
Reginaldo dobrou a esquina. A multidão enchia a rua estreita como sardinha na lata. Empurra pra lá, empurra pra cá e Redginaldo entrou na onda. Não mais andava, era levado numa alegre correnteza que vez por outra se transformava num furacão onde tudo rodava, os pés quase não tocavam o chão e as mãos só tinham lugar acima das cabeças que passavam em profusão. Não eram apenas cabeças, eram braços, rostos suados, latinhas, cigarros acesos, peitos, mãos nos peitos, loló, ladrão, capacete de polícia, pisão no pé, dedo no olho, sovaco na cara e um milagre pra sair dali antes da chegada do próximo Trio Elétrico.
Quase esmagado contra a porta de ferro de uma loja de passagens aéreas, Reginaldo avistou Soninha em cima do muro do Clube de Engenharia. Não se importava mais com os pés encharcados na poça de mijo nem com o odor que exalava da mistura dos perfumes e cheiros da multidão que impregnavam seu corpo molhado de suor. Lá estava ela, linda, de shortinho azul, top colorido e uma flor no cabelo.
Soninha dançava. Não! Não era dança. Era uma coreografia, ela pairava como Francesca de Rimini sobre a multidão que imitava os movimentos de um cavalo mecânico em ritmo acelerado. Seus cabelos escorriam sobre os ombros, os olhos fixos no alto do Trio, as mãos levantadas.
Reginaldo mergulhou na multidão como se estivesse no Porto da Barra. Queimou os cabelos moldados com óleo de coco da morena dos Pernambués com o seu cigarro, atropelou o maluco que cheirava loló e nem se importou, tropeçou numa muquirana e, por um instante, pensou não poder transpor a barreira das bundas rebolantes e dos socos dos malhados. Mas lá estava Soninha e estava perto. Só mais alguns metros.
Reginaldo foi cuspido pela multidão contra uma pilastra do Cine Bahia. Atordoado, caminhou apertado contra o muro a tempo de ver Soninha em cima do Trio, sorriso amplo a caminho do Campo Grande.
Pra Reginaldo a decisão: lavar as mágoas com as cervejas de Valdir ou se deixar convencer pelo refrão que balançava o chão da Praça na voz de Caetano: "atrás do trio elétrico, só não vai quem já morreu".
 
por Sérgio Araújo

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

micro-blogging pro(vocativo)

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Segundo Schiller, a estética ( como espaço de realização criativa) é "o estado mais fértil com vistas ao conhecimento". Declara: "somente aqui nos sentimos como arrancados ao tempo; nossa humanidade manifesta-se com pureza e integridade, como se não houvera sofrido ainda dano algum pelas forças exteriores". É justamente neste intervalo criativo e também reflexivo que o poeta, carregado de realidade, adquire o distanciamento necessário para a produção da sua obra liberto das relações fetichizadas que formam a pseudoconcreticidade que o cerca.

Este distanciamento, nada mais é do que um aconchego ao espaço da criação artística. Porque é justamente na superação da contradição homem repetidor X homem criador, que o poeta realiza um salto qualitativo necessário à produção de novos conhecimentos em forma de arte.

É criando que o homem se objetiva. Segundo Marx: "o homem não se perde no seu objeto quando este se torna para ele objeto humano". Daí, a importância da criação como objeto de humanização e reflexão sobre a realidade para a construção de uma nova realidade.

 

por Sérgio Araújo

sábado, 29 de agosto de 2009

Elisa

 Utterly Alone

Parou no meio da ponte.

Elisa!

Chicoteou-le uma lembrança.

Por que ela?

Logo ela, tão fugaz...

Embrulhado na chuva fina,

As mãos flácidas,

O olhar perdido.

Flutua.

Não sente o chão,

Não sente o corpo,

A mente ausente,

Apenas repete: Elisa!

Elisa!

 

por Sérgio Araújo

 

 

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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Estrangeiro

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Eu bebo o futuro

Como um copo de água fresca

No calor intenso do presente.

Não me apetece o sorriso fácil

Do aqui e agora.

Falsa saída,

Panacéia improvável.

O futuro me pertence

Nos versos silábicos que escrevo.

Eu canto

E minha canção tem pernas longas.

Ela verá os próximos séculos

E mostrará meu espanto,

Não do futuro

Que ainda é distante a cada momento.

Mas do presente

Que nunca existiu.

Cantando sigo

Indecifrável, perdido de mim,

Estrangeiro em minha terra.

 

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O dia do Oliveira

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Oliveira saiu de casa as seis e trinta, como de costume, pegou o seu Chevette dourado e foi para o trabalho.
Aquela manhã não era como as outras de sua vida de funcionário público estadual. O sinal fechado na primeira esquina, pedestres demais na rua esta manhã! O vendedor de tapetes para carro, a gata da lanchonete, os vidros fechados sem ar condicionado, o medo de perder a sua carteira de couro, presente dos filhos no dia dos pais.
Oliveira pensou! Pensou que podia não ser Oliveira. Sim. Podia ser o carteiro, o delegado, seu vizinho, Dona Maria dos bolinhos ou até mesmo Bob, o cãozinho de Mateus, seu primogênito.
Oliveira sonhou acordado! Sim. Sonhou que podia jogar a papelada do trabalho pela janela do décimo quinto andar da Secretaria, beijar a secretária gostosa do secretário, estapear o chefe incompetente e relaxar na sua poltrona por horas a fio sem ser perturbado por ninguém.
Oliveira decidiu! Não. Não mais iria ao Hipermercado aos sábados pela manhã com a patroa e a filharada. Chaves do carro nas mãos sacudindo, bermuda com muitos bolsos para parecer turista estrangeiro, carteira debaixo do braço, a meninada se divertindo e, vez por outra chorando pra valer em algum corredor recheado de brinquedos caros.
Dona encrenca, nem se fala, desaparecia bem na hora de passar as compras no caixa para não dar tempo de devolver os supérfluos e não passar vergonha na frente dos possíveis observadores: creme para cabelos, kit de manicura, algodão colorido, coisas com glitter, flipper, bips e trics.
Oliveira sacudiu a cabeça negativamente. Não dá! Churrasco no domingo não! Cerveja quente do boteco do Pepe, o sol torrando a pele, o banho de mangueira do Valdir com aquela sunguinha do Gabeira, a fumaça, o calor das chamas, as mãos pretas e oleosas, a vizinha gorda, o cachorro latindo, alguém escorrega e quebra o braço. Adeus churrasco.
Oliveira bateu a porta do Chevette com cuidado, trancou-o e pegou o elevador com a secretária gostosa, o chefe de cara amarrada e mais três coitados Oliveiras, senão Pereiras ou quem sabe Silveiras e foi trabalhar naquela manhã de segunda-feira.

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O olho de Sócrates

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Foi no silêncio da noite,

No lapso do tempo

Que toda a dor se foi.

Do pensar,

Do ser como sou,

Da natureza de mim

Refletida no fundo plano

Da rocha.

Uma tocha!

Inglória figura arquetípica.

De resto, o vazio

O dia é eterno

No tempo que o consome

E some!



por Sérgio Araújo

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Um caminho nas nuvens

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Na estrada

Uma pergunta escondida

Juntos buscando um caminho nas nuvens

Num céu dourado

Numa chuva colorida

Que só eu vejo

Mas entendo o seu jeito

De me dizer com os olhos

Nós somos pura história!

Com os pés descalços

Com o sol no rosto

Uma inteligência de óculos

D. Juan, Lobsang,

Aonde estamos indo?

Não importa

Eu não fechei a porta

Ainda sonhamos

Que somos crianças

Brincando com o vento

Dançando sem tocar os pés no chão

Invisíveis, eu juro!

Rock and Roll

Pétalas

Piras

Sim!

 

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O artista da solidão embriagante

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Oh! Senhor das colheitas e das flores que brotam nos jardins do fim do mundo.

Eu sou Severino. O servo aleatório. O penitente na terra violada. O artista da solidão embriagante.

O pórtico está aberto e a jornada vai começar.

Por hora vos digo: do nada nada se cria, exceto a fantasia! E desta sou o criador e curador.

Silibrina da face orvalhada, como Lady Godiva, embriagada até o gargalo, dissonha o que antes era aconchego e canto quente, para soltar do ventre em chamas, o rebento seco como o lajedo da capoeira.

Meu coração é de barro, das barrancas do rio, das pisadas do gado leve em pele e osso, sim senhor.

Quando cantou, "Joana flor das alagoas", o canto da terra, o lampião acendeu em noite ligeira e relampiou nas telas de zinco.

Naquele instante, eu nasci! Bezerro novo na poeira dos dias, arauto das primeiras horas, que ainda nas mãos da véa Aniceta, num choro embargado, risquei o espaço com o olhar duro para as frestas da taipa.

Na rabeira das palavras, cantei num canto salitroso as desditas dos couros secos no rol das plagas e resmunguei meus versos pros ouvidos rotos.

Canto, meu senhor, porque velado é o tempo que assombra minhas certezas e me impõe rolar o verbo na brancura calva do papel.

Oh! Senhor das colheitas e das flores que brotam nos jardins do fim do mundo.

Eu sou Severino. Servo já não sou.

Meu penar me fez crescido e nas artes me fiz príncipe.

Codinome voluntário pra espalhar letras miúdas e outras tantas graúdas nas folhas que correm mundo a fora.

 

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sabe quando você tem certeza?

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Sabe quando você tem certeza
E ninguém parece se importar com a solução?
Quando todos emperram
E só você é ação?
Quando dizem acabou
Você ignora porque sabe alcançar?
Entende o motivo da estranheza
Mas caminha, mesmo que devagar?
Ontem me disseram não haver amanhã.
Não da forma como  eu queria.
Janelas não se abrirão para um céu azul,
João não beijará Maria,
Canteiros inteiros, estilhaços no chão.
Sabe?
Hei de apurar minha visão,
Conspirar, conjurar, subverter, revolucionar;
Lançar palavras num balão,
Letras inteiras num muro intocável.
Sabe, quando você tem certeza
Não está só.
Há uma rede clandestina
Esperança, confiança
Seja qual for o nome da trama,
A gente não se engana
Se suja, se fere, aposta tudo
E sorri pro céu azul
Sorri pra Maria, sorri pra João...

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

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Acordou cansado da fadiga do dia anterior e as sandálias não estavam no lugar de sempre. Teve que andar descalço o que era um verdadeiro martírio, uma coisa intolerável para qualquer hora do dia, quanto mais pela manhã.
Tinha deixado o Desktop ligado quando fora dormir, ou melhor, quando cochilou durante leitura telegráfica dos e-mails e não se lembrava como chegou à cama. Era fato que não podia mais se permitir tamanha inconsequência. Afinal, podia ter continuado ali mesmo, na cadeira, à toa como um bêbado, à mercê da intempérie e das emissões eletromagnéticas.
O importante é que isso tudo deixou, repentinamente, de ter importância diante daquelas palavras em fonte "Arial" que manchavam de preto a parte central do display.
Sentou-se vagarosamente sem tirar os olhos da tela. Minimizou-a em seguida, como que tentando dispersar uma alucinação repentina ou um mal entendido qualquer. Mas, sem êxito, retornou o olhar para aquelas palavras.
- O café está servido, amor, venha logo!
- Já vou! - disse, automaticamente, sem pensar em sair dali naquele momento.
Enquanto ganhava tempo por ter respondido ao apelo da esposa, vasculhou a memória recente, listou mentalmente o estoque de palavras que pudessem refletir o que estava vendo. Aquilo não era, necessariamente, uma surpresa para ele. Já sabia de tudo.
Paralisado, pensava na repercussão do fato. Os descasos, os casos e acasos, as mudanças e, quem sabe, uma surpreendente aceitação.
- Já vou, já vou... - repetiu enquanto se recompunha para o café da manhã de domingo.
Sentou-se para comer meio perdido em projeções e pensamentos contraditórios. Tomou o café como um autômato e vomitou na mesa.
Quando esticou o braço e deslizou a mão sobre a cama, sentiu que estava mais fria do que de costume. Abriu os olhos, estava escuro.
Acordou cansado e as sandálias não estavam no lugar de sempre. Andou nas pontas dos pés até a escrivaninha onde brilhava enevoado o display com moldura preta e pequenas luzes verdes.
No centro de tela uma janela, um quadrado em flash, que exibia silenciosamente um quarto escuro, uma mesa posta, um casal à mesa; a fartura do breakfast e aquela frase que piscava em arial sublinhado: Follow me.

por Sérgio Araújo

sábado, 1 de agosto de 2009

Monólito

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Eu reconheço este perfume que, de tão íntimo,

Abre janelas na minha previsível singularidade.

Vagando em nuvens de palavras,

Rostos e pedaços amorfos,

Estruturas e monólitos,

A saudade indecifrável.

Teu rosto no rosto de pedra,

Minhas mãos no teu rosto de seda.

Tristeza e alegria.

Parcos ângulos obtusos

Silêncios redondos

Rodopiam na valsa confusa da memória.

Pinçar retalhos de certezas completas

Que já não valem mais

Brinquedos, são o que são.

Afasto agruras,

Deixo passar o beijo, o olhar de desejo,

A noite eterna

E o dia submerso na maciez da pele.

Falas,

Amigos,

Um futuro distante que hoje é presente

E a gente nem sente.

Deixo aberto o portal antropofágico,

A desordem,

O exatamente inverso do que sou

Para soar humano

Na natureza caótica do meu corpo

E na coerência do sonho.

 

por Sérgio Araujo

segunda-feira, 27 de julho de 2009

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Raso

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O sol tostava a minha pele. Os meus olhos, impregnados de azul, com muito esforço reconheciam o marrom que manchava a aridez do chão. Acolá, testemunhas das agruras da terra, calangos assentiam solenemente sobre a rocha agressiva.

Também vi o tempo escondido na tez ressequida das crianças, enquanto ouvia o grito desafiador do carcará que pairava solene sobre a terra inóspita e agreste.

A sede ardia. Uma cadela manca, em pele e osso passou alheia à intromissão desajeitada dos tênis empoeirados. O Raso é tão profundo na amplidão da paisagem.

O espinho não fura o couro do gibão. A cavalgada é lenta entre galhos secos. A terra de Lampião, luz, fifó. Terra de repetição, jagunço, morte na curva da cova.

Seu Rufino, ainda menino viu as retiradas e viajou as léguas do Santo, cumpriu promessa, gesso e cera pro museu das lapas.

O sol ardia no azul e amarelava o chão de pó. Continuou assim até desfazer-se em silêncio dourando tudo, silêncio profundo cortado por grilos e pios.

 

por Sérgio Araújo

foto-flickr-Glauco Umbelino

domingo, 19 de julho de 2009

A Praça

Apresentação1










Jazia ali, cinematograficamente estendido sobre os paralelepípedos da rua. Ao seu redor, uma pequena multidão de curiosos. Eram donas de casa sujas das suas rotinas diárias e incansáveis na repreensão às traquinagens dos filhos, os feirantes estabelecidos no marcado municipal e que, na correria, traziam ainda nas mãos calosas, as mercadorias
que comercializavam no exato instante em que o fato acontecera.
Para lá acorreram também os populares, cidadãos sem rostos e de história comum. Gesticulavam enquanto davam fim a um assunto banal antes de se apresentarem ao local da tragédia.
O cego cantador levantou de sua esquina predileta, esbarrou no crente Deusdeth que atirou para longe a Bíblia Sagrada como um pássaro preto alçando voo no coqueiral.
Até o mascate abandonou às pressas a sua mala da cobra e pôs-se em marcha paralela aos dois soldados rasos e um delegado que avançavam autoritários rompendo a multidão.
O Dr. Sócrates, médico respeitado mais pelo seu caráter que pelos conhecimentos da medicina, caminhava apressado segurando a velha valise de couro preto  puída e de alças redondas.
Nessa altura, garrafas de cachaça corriam de mão em mão sobre as cabeças na praça.
Sobre a marquise da padaria acotovelando-se, um bando de edis tresloucados pela quantidade de eleitores ali presentes, exortava o povo a ouvir um improviso de oito páginas que já começava a se dissolver em palavras toscas tecendo uma peça tragicômica que só a ignorância e a rudeza da vida interiorana pode revelar.
Num instante, o círculo se fecha mais e mais, a multidão aproxima-se do corpo inerte, o murmúrio aumenta. De repente o silêncio. As cores se desmancham desaguando em sépia, a cena retida numa pequena superfície retangular rotaciona para a direita flutuando sobre um fundo escuro.

por Sérgio Araújo

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Cavaleiro torto

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Um cavaleiro torto

De silhueta neogótica

Percorre o caminho, sorrateiro

Na lama putrefatalenankin

Filho da arca pulga tricha

Esbilte pilotron sanguessuga

Mimética solução humanóide

Lesa-forma vil vivente

Um cavaleiro de longa esfera

Filho da arca sila troncha

Caminha indeciso

Na prima lama dicotômica

Cata tenso, na orla empolada

Finos fios de palavraspontes

Para dizer fundante

O que nunca fora antes.

Um cavaleiro torto

Pouco

Intrépido arcanjo rococó

Arremata a vida num poema

Como laço ou como nó.

 

por Sérgio Araújo

 

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Tempo curto

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O tempo é curto

O tempo é mudo

O tempo não cabe no meu mundo.

Eu curto o tempo

Mudo num segundo

Meu mundo não cabe no tempo.

 

por Sérgio Araújo

Foto:out of time - flickr - alicepopkorn

domingo, 12 de julho de 2009

Azul

margarita azul frontal. flickr. alfaneque
Capítulo XXII
O anúncio fixado na porta de entrada da casa de V escrito em fonte Old English informava, solenemente, a chegada do casal, em lua de mel há uma semana.
Pela porta semiaberta penetrava um réstia de luz do sol que imprimia, em tons dourados, um triângulo retângulo no chão de madeira polida.
Sentada, bordando um pano qualquer para matar o tempo, V suspirava enquanto pensava na recepção: flores do campo, cheiro de jasmin, música alegre, bebida farta e borbulhante, salgados e doces, ah! muitos doces.
Iluminado, o jarro de porcelana verde refletia a luz do sol em raios frios e animados projetando na parede uma infinidade de pequenas partículas multicoloridas.
V não era bonita como a noiva. V tinha sonhos românticos como toda jovem de sua idade. Mas V não era bonita como a noiva. Era inteligente! Na verdade, era muito mais inteligente que sua irmã. Não fosse pelo "defeito", como costumavam dizer referindo-se ao fato dela não poder andar, coisa de nascença, V certamente seria a preferida do, agora, marido de sua irmã.
Em sua insignificância aparente, ela era extremamente produtiva. Além dos cuidados da casa, ela escrevia. Amante nenhum nesse mundo teria escrito cartas e poemas tão belos quanto os que V moldava com lágrimas, na matéria indiferente do papel, em suas eternas noites de insônia.
V é tão jovem!
Mesmo que os verões esbanjassem claridade e velocidade às vidas daquela casa, V era inverno! Não que deixasse a alguém perceber a sua tristeza, ela simplesmente congelava em sua solidão enquanto ria e conversava sobre os dias e as coisas. No seu exílio, criava. Escrevia sobre vales verdes e serenos, sobre montanhas cujos picos alcançavam as nuvens e as águias faziam ecoar seus gritos pelos ares, descrevia terras imaginárias, lagos tão extensos, oceanos tão profundos, pessoas tão belas e boas quanto ela.
V é tão bela!
Bordando, ia criando. Criando uma festa de casamento, um amor delicado, uma figura que escapava do seu pensamento toda vez que tentava vislumbrar um rosto, uma mão, cabelos ao vento, sol no rosto, sorriso. Via sem detalhes, como quem adivinha. Mas, mesmo assim, ela queria poder dizer que amava, que sonhava e vivia.
Não importa se eram tantos os presentes que enchiam o seu quarto de uma graça comprada aqui e ali, sem identidade, apenas coisas brilhantes, felpudas e sonoras. V queria viver para além daquele quarto e sentir-se plena nas coisas do mundo.
V é frágil!
Diluindo a triângulo e espalhando luz por todos os cantos da sala, entra o casal em plenos sorrisos e conversas. Acorrem todos, o som se espalha como a água sobre a toalha da mesa, reluzem os metais, gestos e frases, palavras e respingos
Distante daquilo tudo, lenta e silenciosamente, a mão escorrega sobre o peito e repousa suavemente sobre o pano. Fechados os olhos, V agora jaz, pequena flor sobre uma rocha bruta.
Fecho o livro e vou dormir, sereno, como uma melodia de Bossa Nova.
 
por Sérgio Araújo
foto: flickr - alfaneque

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Esquina

Van Gogh

Agora que estamos sós

Juntos, mas distantes

Como numa esquina

Sem um ponto de encontro

Vejo passar o tempo

Olho pro céu

Gotas de memórias

Molham meu rosto

E não há nada que eu possa fazer

Nem ontem

Nem hoje

Eu quero estar com você

Naquela praça

Depois da esquina

Eu não sei...

O tempo diz não

E mesmo que o desejo

Seja a bola da vez

Eu não te enconto

Depois da chuva

Com o sol no rosto

Naquela esquina.

 

por Sérgio Araújo

imagem: Van Gogh-Boulevard de Clichy

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Olhos

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Soluçou rompendo o silêncio da noite. Não há luz, a escuridão deixa suas marcas no espaço onde os olhos das vagas velas vasculham em vão o vão impuro, repleto de sonhos que ainda resistem às mãos que penetram os cabelos finos, como os córregos nas florestas de Antária.

por Sérgio Araújo