segunda-feira, 14 de junho de 2010

A sós com as palavras

metsnap

Estamos todos sós

Nos arranha-céus,

No beco imundo,

Nos jardins…

Eu estou só

E quanto mais fundo vou,

Mais alto estou.

A distância não separa,

Mas preenche o campo de visão

Como se observa uma maquete:

A forma reduzida,

A realidade apreciável do todo.

Há sempre que nomear

O que se vê daqui.

Nada é o mesmo

E mesmo que seja será sempre  inominável,

Porque palavras,

Não as tenho para tal fim.

Me perco e me acho nos signos

E embora clara a visão,

É minha a construção do objeto que se mostra.

Dou forma e retenho a imagem,

O que sobra não é minha obra,

Mas aparas ressequidas

Que nada contam sobre a figura esculpida.

 

por Sérgio Araújo

domingo, 13 de junho de 2010

Zulmira perdida na noite fria

4408818849_e13689411b Então, ela via aquelas pessoas passando e repetindo gestos conhecidos, aquelas situações que há muito observava e que as devolvia, quase sempre, envoltas em metáforas para purificar a praça.

Uma espécie de dèjá vu em espiral. Agora ela compreendia que o retorno é eterno. As unidades vão e vêm para ocupar os papéis definidos: um arlequim, uma colombina, um palhaço de esquina, um líder, um zé ninguém…

Zulmira, a dama dos ratos, podia mudar seu destino e romper com o script original mas estaria apenas assumindo outro papel no teatro ao lado; na peça alheia que maternalmente lhe acolheria.

Ela se aquece agora na fogueira enquanto os mascarados avançam com suas tralhas e pretextos. O próximo ato flutua sobre as cortinas como uma nuvem,  psicodélica nuvem de velhas tempestades.

Um encontro consigo na confusão da rua. Entre cacos e restos de tudo: um olhar que não vê, uma lembrança descabida e Zulmira perdida na noite fria.

 

por Sérgio Araújo

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Interregno

748px-WLANL_-_jankie_-_De_zaaier,_Vincent_van_Gogh_(1888)_(1) Olha sobre aquela rama.

O sol derrama suas finas teias de luz.

Uma canção…

E o dia perpetua a sua trama.

Agora é um violino,

Ou será um um fiapo de nuvem..

E esse brilho

Que envolve a correnteza rio abaixo?

Folha,

Limite de toda a seiva.

Olha a sombra

Envolvendo a terra como uma quimera.

Encolhe a folha

E rosna  contrabaixo.

Interregno,

Claro e escuro

Reinado da incerteza

Repousa a natureza ensimesmada.

 

por Sérgio Araújo.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A música dos planetas

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Aqui estou, fruto da minha própria ilusão. Debalde escorrego como uma barata sobre uma ponte que constrói-se e dissipa-se conforme a sombra esguia do meu corpo avança.

Trago em minhas malas, restos de planos em papel embrulho, perguntas sem respostas, pingos de chuva que não secaram com todos os verões e ainda refletem, estranhamente, a luz da manhã brumosa que os produziu.

Sou um estranho corpo alojado em minhas vivências, como alfinetes espetados em antigos mapas. Minhas trilhas, costuradas que foram no couro áspero dos dias, marcam, cerzidas umas, calcificadas outras tantas e poucas abertas ainda sangrando à mercê dos novos sonhos.

Que importa ter ouvido a música dos planetas! No baile, embriaguei-me e como artista transformei a festa numa arena de máscaras tão efêmeras como as cores que sobram do bater de asas de um beija-flor.

Daqui, da minha gaiola, veja a imensidão do espaço e a perdição do tempo. Meu braço curto não toca o que almejo. Mas, supondo que abram-se as portas e escancarem todas as janelas, eu escaparei pela fresta que abri nas longas vigílias e no trabalho árduo principiado há muito.

Eu te digo, meu camarada: trago nos olhos a imagem das ondas que se quebram sobre as pedras na praia borrifando suas alvuras e cantarolando trovões.

 

por Sérgio Araújo