segunda-feira, 28 de março de 2011

Linhas pontilhadas

Toyen, Territoire endormi, 1937. Source: Toyen une femme surréalisteRabiscando no topo da página em branco, sutilmente, foi transportado para além das pautas; essas bitolas  horizontais que suportam e aprisionam o sentido das coisas. Como representar, já que nada havia para suportar seus rabiscos, a profusão de sons, cores e formas que experimentava naquele instante único e estranhamente desafiador, de modo a fazê-los contidos em seus próprios universos atomizados e espalhados na geléia disforme e ilimitada?

De súbito reparou que começara a projetar as suas reminiscências intercaladas nas letras, palavras e frases que, como muros, aprisionam os sentidos e os desígnios; as ideias. Muros altos para as subversões, médios para os desencantos e quase nada, pequenas cercas de jardim, para as angústias passageiras, daquelas que aparecem pela manhã e são logo esquecidas na labuta do dia.

Ora, ora - Cogitou com um sorriso tímido – teria pretensão maior ao escrever numa folha de caderno barato, que preencher vazios estruturais com personagens e suas vivências fantásticas e, às vezes, tão simples como as nossas próprias? Não seria assim? Escrever em linhas pontilhadas?

A dúvida lambia as tênues certezas com sua língua áspera, que recolhia com vivacidade para saborear ruidosamente, esfregando-a nos lábios verdes da sua boca de dragão. Enquanto isso, seus dedos flutuavam devorando vazios na infinitude da página.

 

por Sérgio Araújo

terça-feira, 22 de março de 2011

A palavra em seu embaraço

surrDesfaço-me dos meus poemas,

Obras inacabadas.

Sem ortodoxia,

Apenas semeio palavras no gosto alheio.

Despeço-me enquanto ainda rola na ponta dos dedos

A última letra.

Sem avareza ou tristeza.

Nessa empreitada,

Não há nada além da ideia que nos une

No instante em que você me vê

E eu te imagino emaranhando-se em minhas descrições,

Em meus meandros de frases tontas.

O que bebe e o que se embriaga.

O resto é nada

Nem o zumbido da crítica

Nem o apreço demasiado.

Só a palavra

Em seu embaraço..

 

por Sérgio Araújo

quarta-feira, 16 de março de 2011

Noite líquida

tumblr_ldzo0mEZoY1qc16bto1_500A noite líquida 
Escorre vagarosamente
Como cera derretida nas brechas da luz.
Calor e grandeza,
Como a materialidade dos discursos
Em sua existência pensada.
No encontro da noite e da mente,
O que não é demência,
É essência.
 
por Sérgio Araújo