sábado, 10 de setembro de 2011
Pessoas do mesmo verbo
Em minhas velhas tralhas esquecidas.
Me surpreende, me encanta, me choca.
É um reencontro com o meu próprio lixo,
Sedimentado numa área alagada qualquer
Da minha existência desvelada.
Me encanto no desencanto.
Não posso criar sem desencantar-me
E, desencantando-me, me encontro
Num encanto imaginativo.
Quando desconstruo o dia e a cidade,
Ergo minha imaginação,
As minhas imagens em movimento
Num palco sem platéia.
E eu queria poder olhar-me
Com olhos de outros,
Como um crítico escondido atrás das luzes.
Não é de mim que falo apenas.
Eu também sou esse crítico que te ofusca
E te vejo só e desnuda.
Você pessoa
Que por trás de toda a tinta
É tão crua...
Tão só.
Não nos vemos, não nos tocamos,
Mas criamos.
E cá estamos a nos encontrar.
Você me lê e isso é mais seu do que meu.
Você me recria embaralhando nossas tralhas.
Eu te imagino, imaginando o que sei e o que não sei de nós.
Portanto, te digo: eu não sei!
Só queria saber o que pode um poema
Nesse encontro.
Você e eu.
Pessoas do mesmo verbo.
por Sérgio Araújo.
sábado, 9 de julho de 2011
Junho Underground
Anne de London
Marca um encontro
Do outro lado do ponto
Enquanto folheia um livro,
Um conto de Maupassant.
Bola de sebo,
Bala soft
Baile underground
Bem ali no ponto de ônibus,
Na esquina, em junho.
Jazz aqui é muito mais Jazzi
Que em Motherland.
E meu coração é uma língua de metal
Baby,Baby
Procrastination forever.
por Sérgio Araújo
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Chove
Chove!
Gotas ásperas na noite cínica.
Prisma, pingos
Esparramando cores nas paredes,
Transpiração
Num corpo emprestado de cimento e aço.
Cacos de todos os olhos,
Restos de som,
Cheiros em nacos de algodão.
Chove ilusão.
Percute na poça transbordante
E serpenteia adiante
Na tez brilhante da calçada.
por Sérgio Araújo
domingo, 17 de abril de 2011
Como nuvem
Com os pés molhados no silêncio da espuma.
Aquecido ao meio-sol
Que brilha e brilha.
Aqui nessas palmeiras,
Nas rochas e suas pontas seculares,
Aqui sou o cume.
Solidificado.
Erguido sobre mim mesmo
E fluindo
Como nuvem.
por Sérgio Araújo
segunda-feira, 28 de março de 2011
Linhas pontilhadas
Rabiscando no topo da página em branco, sutilmente, foi transportado para além das pautas; essas bitolas horizontais que suportam e aprisionam o sentido das coisas. Como representar, já que nada havia para suportar seus rabiscos, a profusão de sons, cores e formas que experimentava naquele instante único e estranhamente desafiador, de modo a fazê-los contidos em seus próprios universos atomizados e espalhados na geléia disforme e ilimitada?
De súbito reparou que começara a projetar as suas reminiscências intercaladas nas letras, palavras e frases que, como muros, aprisionam os sentidos e os desígnios; as ideias. Muros altos para as subversões, médios para os desencantos e quase nada, pequenas cercas de jardim, para as angústias passageiras, daquelas que aparecem pela manhã e são logo esquecidas na labuta do dia.
Ora, ora - Cogitou com um sorriso tímido – teria pretensão maior ao escrever numa folha de caderno barato, que preencher vazios estruturais com personagens e suas vivências fantásticas e, às vezes, tão simples como as nossas próprias? Não seria assim? Escrever em linhas pontilhadas?
A dúvida lambia as tênues certezas com sua língua áspera, que recolhia com vivacidade para saborear ruidosamente, esfregando-a nos lábios verdes da sua boca de dragão. Enquanto isso, seus dedos flutuavam devorando vazios na infinitude da página.
por Sérgio Araújo
terça-feira, 22 de março de 2011
A palavra em seu embaraço
Obras inacabadas.
Sem ortodoxia,
Apenas semeio palavras no gosto alheio.
Despeço-me enquanto ainda rola na ponta dos dedos
A última letra.
Sem avareza ou tristeza.
Nessa empreitada,
Não há nada além da ideia que nos une
No instante em que você me vê
E eu te imagino emaranhando-se em minhas descrições,
Em meus meandros de frases tontas.
O que bebe e o que se embriaga.
O resto é nada
Nem o zumbido da crítica
Nem o apreço demasiado.
Só a palavra
Em seu embaraço..
por Sérgio Araújo
quarta-feira, 16 de março de 2011
Noite líquida
Escorre vagarosamente
Como cera derretida nas brechas da luz.
Calor e grandeza,
Como a materialidade dos discursos
Em sua existência pensada.
No encontro da noite e da mente,
O que não é demência,
É essência.
por Sérgio Araújo
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
O homem louco
Quando as folhas dançam no ar
O cheiro do mar
Raposa dos campos e o homem louco
Livre para o futuro
Espírito de asas ligeiras
O homem intrépido
O homem que sou chora diante da beleza
Que nunca morre
E o espírito do homem louco é livre
Dançando sobre a grama molhada
Voa para o nada.
por Sérgio Araújo
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
O diário do dia de ontem
Sendo ainda criança, não sabia das regras do mundo. Nada sabia daquilo que obrigava os homens a trabalhar por dinheiro, as mulheres a servir e as crianças a desobedecer os ditames; fardos, que os adultos carregavam com grande sacrifício e compartilhavam entre si, arrastando suas hipocrisias sutis.
Posto que não saber é um tipo de sabedoria que foge aos verbos das ruas, dos bancos das igrejas e das salas sombrias, a criança olhava para o mundo de baixo para cima e mastigava o por quê do dia ao tempo em que afastava-se lentamente dos seus próprios pés.
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Um som passou por aqui
Um som passou por aqui. Deixou suas marcas no silêncio entre o sol e o lá. Silêncio cheio de falas na sala imensa em cujo eco abundam coisas de sentir.
Digo de eras entrelaçadas e fantasias inteiras curtidas no limiar da claridade da manhã. Soltas, as notas se vão, prolongando os lumes como se fossem suas caldas, réstias de sol no chão de pedra.
Porque não te vejo, entristecido, vago a sonhar com cores e sons que não se importam com unidades. Não é para mim essa música. É de todos na universalidade em que também me reconheço.
Canto e desencanto, espaço, delírio….
Em que estrada insana intenta o som fazer-se tão simples e belo?
por Sérgio Araújo
sábado, 8 de janeiro de 2011
Sobreface
Sobreface.
Faces de todas as coisas
Do visível delével,
Poeira formatável pela preferência.
Nada real com quer tua sensatez.
Tudo real com se fosse a primeira vez.
A sede, o gole e a sede do gole.
Dasein!
por Sérgio Araújo