sexta-feira, 28 de novembro de 2008















A contragosto,
Desgosto dos traços e troços
Da minha vida útil.
Desinventando memórias,
Destroçando histórias,
Malamanhado em terras alheias.
Sons inaudíveis movem e renovam
A volatilidade da minha alma vasta
Redesenhando trilhas,
Segredando versos nas margens do dia.

por Sérgio Araújo

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

"Galinheiro"

Quando criança, ele estreou no "galinheiro" do Circo São Jorge.
Era uma daquelas peças, capaz de provocar lágrimas até nos cachorrinhos amestrados.
Pantomimas à parte, a arte de representar afrouxou os corações e escancarou as goelas para os festins encharcados de vinho amargo de ponta de balcão.
O palhaço nem sempre tinha razão na graça de esconder sob a espessa maquiagem, um espírito de criança.
Lindalva, a moça das cordas e dos arcos, desfez casamentos, provocou duelos ao amanhecer e fugiu com o anão para não ceder aos apelos eróticos do apresentador espanhol.
A música abafada da velha clarineta inspirou farmacêuticos, padeiros e aposentados; criou filarmônicas e construiu maestros que, rapidamente, voltaram ao anonimato dois meses após a rumba fatídica que pôs fim à cíclica lona verde.
Como era gostoso aquele lenço estampado a deslizar carinhosamente sobre o ombro, vindo daquela mão doce, pequena, que convidava a bailar numa tenda de ciganos ao som de singelos violinos e terminar perdidos, enamorados, sobre um rochedo qualquer, à luz da lua, acariciando aquele corpo dengoso de dançarina dos trópicos.
Fantástico seria viajar com a moça do trapézio; morar em sua barraca e, à noite, furtivamente, olhar seu rosto de perto e enfim acreditar que aquela que ali estava era a mesma musa aérea que com um simples gesto fazia sangrar as unhas do domador.
Subir e descer ladeiras era muito fácil, ainda mais se acreditássemos poder subir nos ombros do homem com as pernas de pau e, lá do alto, mijar na cabeça do inimigo predileto.
Agora, a vida pôs-se a andar de muletas, põe seus óculos de ponta de nariz e se dedica a contar histórias de quando estreou no "galinheiro" do Circo São Jorge.

por Sérgio Araújo

domingo, 23 de novembro de 2008

Um poema
Não nasce do nada
É tempo e espada
Um poema
Nasce na rua
Que não é minha
Nem sua
É pau e pedra
Na vida do poeta

por Sérgio Araújo

sábado, 22 de novembro de 2008

XXXII

Deixarei
Que os espaços
Todos preenchidos
Sejam solavancos
Em meu corpo de avestruz
E em minhas pernas
O que reluz
Nestes espaços,
espaços todos
Sejam espaçopernas
Que perneem
Preenchendo mundos.


por Sérgio Araújo

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Recife

Por cima

uma ponte


Por baixo

S
a
l
t
a
m

Cocas tamanho família
E entopem
Com tampinhas
As malhas da rede
Enredada
E atada
Por nervos ponte-agudos
Enquanto
foge por ali
Um casal de apitos
Na avenida boa vista
Saqueadores de caldo de cana
E um velho poste
No ponto da torre cinza arcaica

Daí em diante
Ausente
O sol
De par a par
Pardo
Pardeja
Em lívidos olhos de janela.
Fria
Como a água matinal
(a janela da casa verde)
pinga
cacos de vidro fosco.

Por Sérgio Araújo

sexta-feira, 7 de novembro de 2008