sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Balão

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Foi um verdadeiro assédio. A semana inteira perseguido por um balão. Mas que  balão poderia ser esse que, insistentemente, pedia para ser projetado na página gêmea do meu blog no  live writer?

Desde então eu lhes digo. Não foi por falta de vontade, mas, até agora, não pude satisfazer ao imperioso desejo de um inconsciente ranzinza e teimoso como o que carrego comigo. Cheguei a pesquisar na Wikipédia e, devido às idiossincrasias da minha conexão provinciana, o máximo que consegui foi: “Balão é um objeto inventado pelo homem”. Apesar desta “esclarecedora” sentença e de mais algumas palavras no topo da página que continuava carregando (até quando, só Deus sabe), não desanimei. Aliás, como podemos tirar proveito até das coisas negativas, essa espera pelo carregamento da página serviu para uma tomada de decisão importante.

Agora sei: não era um balão de ar quente, tampouco um balão de oxigênio, nem um balão de festas, muito menos  um balão mágico. O que me acossava e me interrogava como torturador no auge da sua crueldade era nada mais, nada menos que a própria palavra balão cuja etimologia fico lhes devendo por falta de um dicionário apropriado.

É pela palavra e suas incontáveis camadas de sedimentos discursivos que a separa da sua origem - provavelmente forjada nos primórdios da latinidade – que me entrego de corpo e alma a este labor literário.

Balão é algo cheio, abarrotado, gorducho. Balão é uma palavra gorda e, muitas vezes, morbidamente obesa. Seja como for há um balão de palavras onde, aparentemente não havia nada. Há riqueza na alegoria balonesca:

Bola, bolo, balão.

Brinquedo solto no chão!

Bolo, balão, bola.

Vê se te enxerga e não me amola!

Balão, bola, bolo.

Peguei no rabo do cachorro!

 

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

“404 error”

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- Silêncio! – sussurrou calmamente Mechthild Chetran, enquanto vibravam as cordas do violino espalhando notas tristes pela sala. Lá fora, a neve caia rodopiando ao som do vento.

Não poderia sair errado dessa vez. A final, depois da investigação sobre as causas prováveis da transferência equivocada para Düsseldorf (R.A.) sem que nada fosse detectado, as atenções foram concentradas na resolução do problema.

Naquela Realidade Alternativa, ninguém poderia ajudar. Manter a invisibilidade consentida era uma questão de respeito ao acordo de não interferência nos deslocamentos alheios. Embora os canais estivessem abertos às comunicações, Meyrin (Realidade Física) não pediria a Düsseldorf (R.A.) para intervir. Enquanto isso, o “estrangeiro” tentava manter-se iluminado som as lâmpadas dos postes.

O pessoal do LHC estava tentando uma solução que poderia chegar a qualquer momento dando início ao processo de captura e download para a base em Meyrin. Mechthild esperava com certa preocupação o aviso em frente à Unidade Cavendish ou “o armário”, como era chamada pelos aspirantes.

O “estrangeiro” havia passado por diversas RAs desde 1958 e estava confuso. M. Chetran sabia disso e, enquanto esperava, mantinha os canais abertos e enviava sinais preciosos para a manutenção da integridade física e psicológica do “estrangeiro”.

O Prelúdio de Tristan und Isolde rompeu o silêncio que a situação impunha como o sinal para que o “estrangeiro” pudesse digitar as coordenadas e partir. Ele assim o fez e penetrou cansado e delirante na zona de transferência, consolado no turbilhão de luzes por antigas lembranças da última primavera ao lado de Mechthild.

Quebrando o silêncio da sala, como barras de ferro atiradas ao mármore, o som do alto-falante deu o aviso enquanto da tela, aos olhos atentos, insinuava-se em fade in: “404 ERROR”.

por Sérgio Araújo

sábado, 21 de novembro de 2009

Controvérsia

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Caro amigo Betusco,

O camarada disse que a literatura é uma cadeira. Foi taxativo. Assim mesmo: uma cadeira! Não se sabe se uma cátedra, num resgate histórico do valor do termo na cultura ocidental ou se estamos tratando de uma dentre as mil que saem por hora da linha de montagem da fábrica de cadeiras. Seja como for, não é um bom negócio. Ops! Literatura é um bom negócio? Talvez! E eu me vi, de repente, numa brincadeira, êpa! Quer dizer, num jogo das cadeiras. Sabe? Aquele jogo em que os jogadores vão correndo ao redor de algumas cadeiras ao som de uma musiquinha qualquer e quando o monitor interrompe a cantiga todos têm que sentar só que tem uma cadeira a menos em relação ao número de participantes.

Eu fiquei sem cadeira, meu literato amigo. Não seria a literatura, antes, um jogo? Quem sabe um jogo de cadeiras? Assim como no jogo, eu não tenho que ficar confortavelmente instalado, palitando os dentes e coçando o saco (com a mesma mão) enquanto os demais jogadores dão voltas em torno de mim e eu me deleito com a colocação perfeita das vírgulas. Literatura é perdição, desordem, reconstrução; é sentar num foi de arame estendido entre duas montanhas e gritar quando todo mundo se cala.

Olavo, o Bilac, desdenhou de Augusto, o dos Anjos, e hoje se lê mais Anjos que Bilacs. A fronteira é móvel e o exército improvisa ao sabor das eras e feras do tempo.

Eu quero o sabor do texto, a as cores das palavras, o som das letras perfumando as frases macias ou ásperas como a casca do abacaxi. Eu não quero uma cadeira, eu quero sentar no chão e sentir o calor da terra. O resto eu deixo para os revisores (os do word ou similar) que é o que todo mundo faz, ora bolas...

Abraço.

P.S. As palavras tachadas foram rejeitadas pelo verificador ortográfico do Word. A culpa é do Bill Gates.

 

por Sérgio Araújo

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Limite



23:59

O cabo negro e estriado serpenteava pelo piso de madeira enroscando aqui e ali nos móveis estragados pelo tempo e seguia mesa acima tão esticado que perecia poder partir-se a qualquer momento.
Sobre a mesa jazia um copo de papel, vazio, desses de aniversário, com motivos infantis: um palhaço com cabeleira colorida, serpentinas,confetes, língua-de-sogra, tudo isso com muitas cores para fingir alegria e comemoração. Adiante, refletindo a luz de uma lâmpada incandescente, como uma serpente estreita e verde, escorria lentamente o líquido derramado do copo em direção aos dedos finos e inertes de Teresa.

23:58

Um relógio despertador emoldurado por figuras de anjos barrocos cavalgava uma mesinha de cabeceira com duas gavetas entreabertas. Mais adiante, em diagonal, a sombra com gestos leves tingia a parede branca do quarto de Teresa.
Como num sonho ruim, ela acordou sufocada pela secura do ar, os cabelos molhados de suor que também escorria por todo o corpo e abriu os olhos a tempo de ver-se através do espelho da penteadeira, flutuando como a assistente do mágico no circo Eureka.
Na sonolência que ainda sentia, zonza e surpresa pela insólita situação, Teresa não sabia se flutuava pelo quarto como um astronauta ou se o quarto era uma espaçonave que lhe acolhia com gentileza e a fazia sentir-se bem na incerteza dos fatos. O certo é que agora sobrevoava a mesa da sala que ainda guardava os restos da festinha de aniversário do seu único filho.

23:57

No televisor ligado, Tom corria desesperadamente atrás de Jerry e derrapava numa esquina como um carro no asfalto molhado.

23:56

Teresa imóvel na cama, não sabia da noite e o que lhe trazia, não sonhava, não cabia no tempo estreito que agora tinha.

23:55

A porta abriu com um leve estalo. Agigantando-se pela sala vazia, a sombra com chapéu atravessou o corredor esfregando-se ora numa parede, ora na outra empurrada pelas luzes dos outros  cômodos que se alternavam ao longo do caminho. Parou em frente à porta do quarto onde Teresa dormia, empurrou-a devagar jogando uma tira de luz sobre as suas pernas brancas.

por Sérgio Araújo

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Homens Simples

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Homens simples

Homens que nascem com o sol

Todos os dias,

Que brilham e ficam tristes,

Pedem paz e olham-se nos espelhos de casa

Todas as manhãs.

Com que caras irão para as ruas molhadas pela chuva?

Amam o sol da tarde morna,

Sonham sob um céu de claras contas.

Homens simples!

São crianças, o que eu vejo

Por trás da cortina fria da melancolia,

Além do olhar grave,

Da incerteza esperta,

São crianças sem brinquedos.

Simples crianças;

Aprendizes itinerantes

Com seus olhos rasos.

Não se enxergam na simplicidade do dia.

Homens simples!

Como talvez seja o mundo,

E o tudo e o nada,

O Subterfúgio

E a gota d'água que hora pinga

[Insistente]

No meu rosto sorridente.

 

por Sérgio Araújo

sábado, 7 de novembro de 2009

Devir

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Num instante é brisa, no outro: EVENTO!


por Sérgio Araújo

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Lapso



Não conhecia nenhuma daquelas pessoas que transitavam freneticamente pela ladeira íngreme e estreita. O fluxo constante deixava-o atordoado e aumentava a sensação de abandono que havia surgido desde que se dera conta da situação em que se encontrava.
Foi como se tivesse surgido do nada. Encostado no velho poste de ferro reparou na marca de fabricação gravada no metal:Düsseldorf -Deutschland.
Aquelas palavras não saiam da sua cabeça e ficou repetindo: Düsseldorf, Deutschland, Düsseldorf...,enquanto caminhava em meio àquela gente calada e, aparentemente, insensível.
Subiu alguns metros, desceu outros tantos... Na verdade, não sabia para onde estava indo nem tampouco aonde se dirigir naquele lugar estranho.
Não estava em outro país! Embora estivesse com medo de falar com as pessoas, de perguntar-lhes onde estava,sentia familiaridade nos cheiros, sons e texturas que impregnavam os sentidos.
Não era medo, de repente soube, o que lhe impedia de comunicar-se. Era antes, uma certeza absoluta sobre a impossibilidade de comunicação com aquela gente fria e distante. Por um momento, orgulhou-se disso. Sorriu com o canto da boca para não deixar que percebessem o prazer que sentia.
Düsseldorf - Deutschland! Voltou  ao velho poste que suportava uma pequena lâmpada suspensa na extremidade oscilante de cano escuro que surgia do corpo negro do poste fabricado em Düsseldorf,Deutschland.
Parado ali, não se importava mais com aquela gente. O sistema voltou a funcionar normalmente. Digitou as coordenadas e desapareceu.

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Silenciosamente

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Como slides sem as cores vivas do presente,

Eu os vejo, rostos que nunca envelhecem.

Sensações perdidas, sorrisos francos.

Sombras na memória, deslizam velozmente

E me aquecem

Suavizando meu pranto.

Preciso de tudo isso, mas por enquanto,

Vê se me esquece!

Perdido e inconsequente,

Vou aos trancos e barrancos,

Revivendo as cores que esmaecem

Silenciosamente.

 

por Sérgio Araújo