segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Salinidade retrô

salinidade retrô

Invólucro que impregna a retina

Cristalina salina na intempérie

Vesga de todo cal

De todo sal que circula

Na líquida superfície ondulante

Enquanto rosna a rosca da lente

Intermitente

Saliente olho vagante

Blasfemo tradutor da realeza

Que traga no ventre turvo

Escuriclaro obturado

Eletrizado

Vômito cromatizado

Na plasmogenia salitrosa

Reluzente

Claro e e quente

Nascente

 

por Sérgio Araújo

sábado, 10 de setembro de 2011

Pessoas do mesmo verbo

tumblr_lra8tzJHgT1qarjnpo1_500Eu crio e descubro algo novo
Em minhas velhas tralhas esquecidas.
Me surpreende, me encanta, me choca.
É um reencontro com o meu próprio lixo,
Sedimentado numa área alagada qualquer
Da minha existência desvelada.
Me encanto no desencanto.
Não posso criar sem desencantar-me
E, desencantando-me, me encontro
Num encanto imaginativo.
Quando desconstruo o dia e a cidade,
Ergo minha imaginação,
As minhas imagens em movimento
Num palco sem platéia.
E eu queria poder olhar-me
Com olhos de outros,
Como um crítico escondido atrás das luzes.
Não é de mim que falo apenas.
Eu também sou esse crítico que te ofusca
E te vejo só e desnuda.
Você pessoa
Que por trás de toda a tinta
É tão crua...
Tão só.
Não nos vemos, não nos tocamos,
Mas criamos.
E cá estamos a nos encontrar.
Você me lê e isso é mais seu do que meu.
Você me recria embaralhando nossas tralhas.
Eu te imagino, imaginando o que sei e o que não sei de nós.
Portanto, te digo: eu não sei!
Só queria saber o que pode um poema
Nesse encontro.
Você e eu.
Pessoas do mesmo verbo.

por Sérgio Araújo.

sábado, 9 de julho de 2011

Junho Underground

undrAnne de London
Marca um encontro
Do outro lado do ponto
Enquanto folheia um livro,
Um conto de Maupassant.
Bola de sebo,
Bala soft
Baile underground
Bem ali no ponto de ônibus,
Na esquina, em junho.
Jazz aqui é muito mais Jazzi
Que em Motherland.
E meu coração é uma língua de metal
Baby,Baby
Procrastination forever.

 

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Chove

2295415747_4e18dc844b_mChove!

Gotas ásperas na noite cínica.

Prisma, pingos

Esparramando cores nas paredes,

Transpiração

Num corpo emprestado de cimento e aço.

Cacos de todos os olhos,

Restos de som,

Cheiros em nacos de algodão.

Chove ilusão.

Percute na poça transbordante

E serpenteia adiante

Na tez brilhante da calçada.

 

por Sérgio Araújo

domingo, 17 de abril de 2011

Como nuvem

Cópia de Socotra-original-3Aqui ninguém me alcança.
Com os pés molhados no silêncio da espuma.
Aquecido ao meio-sol
Que brilha e brilha.
Aqui nessas palmeiras,
Nas rochas e suas pontas seculares,
Aqui sou o cume.
Solidificado.
Erguido sobre mim mesmo
E fluindo
Como nuvem.

por Sérgio Araújo

segunda-feira, 28 de março de 2011

Linhas pontilhadas

Toyen, Territoire endormi, 1937. Source: Toyen une femme surréalisteRabiscando no topo da página em branco, sutilmente, foi transportado para além das pautas; essas bitolas  horizontais que suportam e aprisionam o sentido das coisas. Como representar, já que nada havia para suportar seus rabiscos, a profusão de sons, cores e formas que experimentava naquele instante único e estranhamente desafiador, de modo a fazê-los contidos em seus próprios universos atomizados e espalhados na geléia disforme e ilimitada?

De súbito reparou que começara a projetar as suas reminiscências intercaladas nas letras, palavras e frases que, como muros, aprisionam os sentidos e os desígnios; as ideias. Muros altos para as subversões, médios para os desencantos e quase nada, pequenas cercas de jardim, para as angústias passageiras, daquelas que aparecem pela manhã e são logo esquecidas na labuta do dia.

Ora, ora - Cogitou com um sorriso tímido – teria pretensão maior ao escrever numa folha de caderno barato, que preencher vazios estruturais com personagens e suas vivências fantásticas e, às vezes, tão simples como as nossas próprias? Não seria assim? Escrever em linhas pontilhadas?

A dúvida lambia as tênues certezas com sua língua áspera, que recolhia com vivacidade para saborear ruidosamente, esfregando-a nos lábios verdes da sua boca de dragão. Enquanto isso, seus dedos flutuavam devorando vazios na infinitude da página.

 

por Sérgio Araújo

terça-feira, 22 de março de 2011

A palavra em seu embaraço

surrDesfaço-me dos meus poemas,

Obras inacabadas.

Sem ortodoxia,

Apenas semeio palavras no gosto alheio.

Despeço-me enquanto ainda rola na ponta dos dedos

A última letra.

Sem avareza ou tristeza.

Nessa empreitada,

Não há nada além da ideia que nos une

No instante em que você me vê

E eu te imagino emaranhando-se em minhas descrições,

Em meus meandros de frases tontas.

O que bebe e o que se embriaga.

O resto é nada

Nem o zumbido da crítica

Nem o apreço demasiado.

Só a palavra

Em seu embaraço..

 

por Sérgio Araújo