terça-feira, 21 de outubro de 2008

Aiabá

Aiabá é sempre um galho entre o Nilo e o Amazonas, subiu aos céus em seu espelho caboclo-terra e forjou das ondas da FM-cordas, o cordel satírico do Assaré. Um índio, filho de Funai-mata-mata, requer alforria e bate tam,tam,tam na pedra Içu-cabeça de pau oco. Aiabá sorri no V.T. e arriba...
Lá das nuvens açoprateadas, ela nos conta a história de como sua mãe sobreviveu à tribo do feiticeiro Edi-pô.
Arequenas, trombeteiros, galopam seus cavalos marinhos na correnteza bosta-arquivelhas do rio das tripas.
Eis Aiabá, maravilhoso cidadão dos out-doors. Contam que Aiabá, ao nos visitar, teria feito voar sobre o Abaeté, as cuecas molhadas do tio Sam. Abá Kura-kura. Fogo nos cabelos verde wave e aqui jaz um piro-piro que em vida cruzou o atlântico em busca da palha de aço dos Jesuítas.
Aiabá visitou o ano 1274 e rasgou a Suma Teológica em ato puro. Antes, estivera com Heráclito e Éfeso lhe era cara e bela. Podia-se ainda passear, ir às olimpíadas ou participar dos freqüentes concursos de charada promovidos pelo Comitê Executivo do Templo de Ártemis e no ano 500 a.C., ganhou o concurso em parceria com Heráclito. Eis a charada: “Concorda o que de si difere: harmonia de movimentos contrários, como do arco e da lira”.
Saá-Ká-Tá – certa vez viu Ianomâmi sentado, meditando. Era meio-dia e Ianomâmi, primogênito do Pau d`arco, crispando a água brilhante com as garras de uma onça pintada, disse-lhe, citando Maiakovski:
- “Os jovens lutam contra esta canonização dos escritores-guias, que pisam com o bronze pesado dos monumentos a garganta da palavra nova que liberta a arte”.
Riscando a areia com um osso de preguiça, Aiabá respondeu:
- a palavra em movimento é minha borduna em riste e minha palavra e a minha borduna são um.
- Pois bem – disse Ianomâmi – eu corri a minha mão sob a terra, pisei a lama e moldei com cuspe este pote à minha frente.

Vê? Eu o atirarei ao rio e daqui há dez anos eu o reconhecerei. Ele sou eu!
Aiabá partiu e arrastou consigo a louca dança da poeira, veio ver o Robot-rato do novo século e embora não houvesse tempo para entregar-se a brincadeiras pueris,entortou três antenas, quando sobrevoou o cinza-morto da aldeia próspera. Aiabá bateu em ré-tirada e agora que nos deixou, ainda vive na matéria pretoquente das ruas, dos becos, sobrevivem ainda os seus átomos-cor-silábica a repetir eternamente, onde quer que haja sol, o “Da” que escapou dos lábios do poeta noite a dentro.
- Boa noite.
Responderam aliviadas, as pessoas que se acotovelavam na pequena janela do sobrado. Era tarde e já não havia mais o que fazer na rua, a menos que se queixe ser notado por quase todas as pessoas em suas janelas ou pelas velhas barulhentas e pouco amáveis diante de um estranho que, de passagem, ensaiou um cumprimento. Decididamente aquela era a polis cor de esmeralda com seus raros aros de marfim.
Um grupo de meninos jogava sinuca com bolas de gude num tabuleiro inclinado. Escureceu: dois guénos próximos ao muro pintado com flores do jardim de Montezuma, entendiam a situação com seus pequenos olhos tardios.
Aiabá Pensou:
- Mas como pode um poema atravessar as cordas do tempo?
Neste instante, interveio uma de olhos negros como os raros cristais da Salmônia e com seu corpo, sua flauta e seus cabelos, voou para pegar com os dedos livres, cada resto de cor que jazia nas cordas. Eram duas a tirar as cores das cordas, Nuas. A noite levou os aprendizes e seus martelos para além das bigornas reluzentes, e se podia cantar.
Aiabá concordou e ouviu o poeta que dizia:
- eu sou limalha em plena vida. Desejo apenas a insensatez, não me é dado participar de tua falsa segurança, nem quereria eu correr tal risco.
- Sim, és um louco! – disse-lhe Aiabá. Mas, Quem te julgará, Se os autos do teu processo ainda não foram lavrados?
- Pobre diabo! Que a justiça te seja cega e desejará mil vezes ter sido condenado.
E Aiabá visitou mais uma vez o cenário em que tudo começou. Ali, bem ali, onde o sol penetra entre as colunas e incendeia as pedras do chão.
Sobre o mar, duas ou três nadas sopram as espumas das ondas.

O sol está bem alto, na praia ouve-se o vento e vê-se as pegadas que não levam a lugar algum. Entardeceu: a noite explodia sobre sua cabeça como um balão de gás e espirrava confetes maduros em sua roupa de domingo.
Naquele tempo ainda se podia andar pelas ruas sem despertar a cólera dos homens da noite. Um guarda noturno vigiava as fortalezas decadentes e apitava para merecer suas migalhas postas às portas: um pouco de vinho, dinheiro e as nozes recusadas por alguma criança. Por algum tempo, deixou seu pensamento voar em meio às impressões daquela noite. Revirar as pedras e andar pelas ruas para celebrar a Katharsis enquanto as Bacantes erguem-se dos bancos de pedra à beira dos igarapés, douradas e sonolentas a reclamar cada uma à sua maneira, suas porções de paraíso, suas noites de sonhos.
Alguém declamava:
- Ah! Viajante maldito. Jamais poderão acorrentar-te a esta nau que conduz a todos por caminhos conhecidos, tua carroça é a minha. Ei-la à deriva, disparada pelos campos, cidades, vilas, rios que não te prendem em seus leitos de argila. Solta estas rédeas, atira-as ao vento e grita para que te ouçam: eu possuo o tempo bem aqui na minha mão. Ah! Vrêmia maldito, não te conhecem nem conhecerão antes do tempo.
As lâmpadas dos velhos postes de madeira iluminavam aqui e ali, luz métrica e volátil como os capinzais das orlas das estradas e lá está ele, quando ressoa pelos quatro cantos:
Creia-me, tua imagem, eu a vi projetada ainda ontem, como uma sombra em plástico transparente. Que tens a dizer?
Aiabá caminha agora, atreve-se a chutar uma lata vazia sobre as pedras da calçada e fala baixinho:
- Que faço aqui?
É como se estivesse apoiado num parapeito estreito a olhar sobre a marquise. Atrás, sob a mesa, estão os pés de ontem nos chinelos de amanhã. Continua a sua caminhada que agora ganha ritmo com o bater dos pés em marcha. Ouve alguém que passa com muita pressa e passa, passa, passa...
Certas vozes conhecidas, murmúrios que o tempo não dissipara, ondulavam em sua mente. Restos de diálogos entrecortados por visões há muito esquecidas, batiam como tambores, pulsavam até deixá-lo tonto.


Eu escrevi este conto ou (poema) faz algum tempo. Espero que gostem.

3 comentários:

  1. Salve, grande Sérgio.

    Apesar de não nos conhecermos pessoalmente já me sinto seu amigo de alma. Seu Aiabá é um personagem digno de um diálogo franco com Macunaíma. Penso que nenhum dos dois perderia nada, caso trocassem informações sobre suas aventuras e complexidades. Ambos têm a alegoria como método e a antropofagia por informações como conduta. Enfim, fantásticos!
    Gostei muito, e se tiver outros engavetados, como você próprio confessa que tinha o Aiabá, por gentileza, publique em seu blog, para que possamos usufruir de sua impecável literatura.

    Um grande abraço,

    Alaor Ignácio

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  2. Valeu Alaor!

    Este projeto é antigo mas, com certeza existem outros que breve estarão por aqui.

    Um abraço.

    Sérgio

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  3. Oi Sérgio.

    Muito legal esse conto.

    Gostei pra valer e do seu blog também.


    Bjs.

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