sábado, 18 de outubro de 2008

Quero começar com um texto incerto
para as horas certas!
Um texto de "demórias"
Um Conto-canto pedindo desconto pelo não contado e cantando para não ficar calado!
Contam que poetas, loucos e professores são seres alados, vindos de um mundo fantástico onde as flores brotam das pedras e o leito dos rios, do puro brilhante, refletem as maravilhas que, estampadas na paisagem são o deleite diário desses seres levados.
Desde antes das cordas e das dobras do tempo, desde que a luz se desfez em pingos leves e coloriu o espírito do mundo, esses seres de outro planeta que jamais morrem, continuam suas vidas habitando nos corpos luminosos e, volta e meia, conversam com o mundo através da poesia. A poesia que o mundo transpira e que só pode ser vista nas pequenas coisas, nas intervivências.
Lá onde existe um oceano cheio de perigosos piratas malvados e heróis vingadores, onde as naus errantes singram incertas vagas e tremem nas calmarias. Saga de titãs a navegar no mar de silêncios.
Um corte no pé, ataque de sanguessugas e, de vez em quando, uma espiadela nas meninas tomando banho enquanto suas mães lavam roupas batendo nas pedras e cantarolando alguma modinha dos tempos de menina-moça.
Ultraman, super-heróis das figurinhas de chiclete, calça coringa e um dia todo para brincar de Bang-Bang com direito a coldre e revolver com espoletas de papel. Entender a língua do “P”, a língua falada em Alfa de Centauro ou em algum planeta visitado por Flash Gordon. Com ela faço e desfaço. Escuto segredos, construo cochichos, mando recados para o próximo passo.
Piso de barro é mais legal e, se chover, melhor ainda. Nada como uma bela falta, daquelas que nos atira para o ar e nos faz deslizar pelo terreno molhado, arranhado, sangrando e sinceramente convencido de que craque é craque!
Uma passadinha naquela calha do telhado da vizinha. Que maravilha! Ainda muito frio, mas daqui a pouco passa. É só correr, abrir os braços e sair chutando a água empossada aqui e ali.
Outra bica mais forte e logo aparecem os amigos para festejar. Depois, um banho quente acompanhado de um falatório interminável e a promessa de uma surra que nunca vem.

Em breve voaremos arrastados pela ventania dos domingos, em fins de tarde e poderei dizer-lhe de tudo o que sei da existência do universo, da causa das desgraças do mundo, dos medos e das injustiças; dos pensamentos ainda não pensados e da possibilidade de sonhar sonhos impossíveis, realizá-los na imaginação e escrevê-los para que outros possam sonhar os seus sonhos. Sonhos de papel, de carne e osso, de sorrisos e lágrimas.

Não contei as estrelas naquela noite, porque os sapatos machucavam os meus pés. A lua? Escorregou sobre mim com o nariz inchado e me proibiu de sair de casa. Mas eu queria apertar as estrelas inchadas com os sapatos da lua.
Naquela noite, o universo desabou sobre mim em um milhão de microscópicas partículas coloridas. Muitas cortaram a escuridão do meu corpo nervosamente posto sobre os sapatos metálicos da noite.
Outro dia, eu estava a sonhar sonhos de claridades e as infinitudes, quando três lumes incidiram brancos, recortados num corpo branco ao fundo, Branqueado. Branqueagudo sobre o mar enegrecido. Escuro contraste, corexplosão no abismo onde os pés passeiam rijos e calmos a percorrer caminhos na areia, descalços.

Não enviei aquela carta que te escrevi. Carteiro algum percorreu a nossa distância, mas você há de ter lido aquelas palavras distantes e tão próximas que enroscavam em sua pele como o corpo de um felino.
Contei de mim e de como eu sou o texto base de um plano simples, tão simples como a expansão de um astro milenolítico; que costumo destronar os Reis e passa-lhes a navalha sem pedir licença ao barbeiro. Contei sobre felicidade e como reparava quando tu dançavas sobre as pedras quentes com braços e pernas de serpente.

Eram montes, roças, verde perene, a casa estava no alto de uma colina. Decorei toda a geografia que havia no caminho, todas as serras e plantações de banana. Ao fundo, o rio amarelado pelas águas da chuva parecia querer cortar caminho subindo pelas margens altas.
Faz tempo que não te vejo. Há pouco era uma palavra: “Blanc”, uma metade do que hoje sou e o sonho de que numa avenida ensolarada eu pudesse deitar-me contigo sobre as flores da calçada.
Todo aquele vale era de um intenso verde metálico, com suas flores de auroras esquecidas nas incomensuráveis janelas e portas pintadas com as cores do amanhecer.
Ao longe, nas sombras do firmamento, pequenas nuvens furavam o céu como facas de ponta, velhas e afiadas.
Por toda aquela terra, de portas entreabertas ouve-se, silábico, monótono, o som das tépidas manhãs que se descortinam, clarisônicas!

por Sérgio Araújo

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