segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Canto I

Aquela terra era assim: rasgada pelo vento. Correnteza na solidão de palha e barro das margens empoeiradas.
Do homem, do contador de histórias tristes; do homem cortado pela metade, o andarilho de um só caminho de seixos afiados, em pele e osso; do mapa do mundo desenhado nas curvas da picada; na lama e na fumaça pálida dos fins de tarde.
Daqui e dali, numa e noutra voz o lamento das rezadeiras, porque a morte é sina ou bônus de vida para os que ficam e não choram, apenas cantam ladainhas.
De todos os que olham, apenas as crianças enxergam em cada olho que lhes espantam, que lhes condenam, um sofrimento calado e uma dor que sara no correr com as rodas na estrada estreita.
Para quem o dia é coisa que se pode contar, mais um tanto vem juntar-se a todos os outros e seus filhos ainda dormem sobre folhas.
Suas mulheres apenas pertencem a alguém e não falam porque não ousam falar, sorriem! E na timidez entreaberta das bocas murchas, mostram um taquinho de beleza que não aceitam possuir, pois são as mulheres do rio, do carvão e das ervas que crescem sob as sombras das saias em solo fértil.
Seus meninos e meninas, prole comum dos terreiros, das camas de um quarto frio e escuro; até que seja dia e esperem sentados, num canto, que o desejo de crescer lhes corrompa e lhes atire cegos, tortos ou dilacerados para os confins de um mundo feito de pau, lata e garrafas vazias.
Assim apagam-se os dias e, com eles, vão os velhos para as sombras das paredes sujas de memórias; vão para dentro e se recolhem nas lembranças intercaladas na chama agonizante das lamparinas que lhes acendeu na infância, incendiou na juventude e transformou em cinzas os sonhos loucos de voar com os pássaros, que ainda cantam ao longe.

por Sérgio Araújo

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