sexta-feira, 12 de março de 2010

três por quatro

55434692_b406286e38Desceu do ônibus na pracinha do terminal. À sua frente, petrificada numa pequena colina, erguia-se impávida uma capela centenária. Escorregou no asfalto tingido pelo óleo dos velhos motores das Marinetes.

Era o primeiro dia de aula na capital. O olhar desconfiado de garoto do interior registrava tudo em lances tímidos e inquietos. O medo de chegar atrasado, de errar o caminho, de ser aceito. Enfim, o desconhecido tem cheiro de fumaça, café torrado e perfume de mulher.

A foto depois da aula,  a foto depois da aula… Ia repetindo enquanto caminhava orgulhoso por estar ali. Era uma nova vida afinal. E ali estava. Sozinho. Por sua própria conta e risco transitando entre desconhecidos, ambulantes, sorrisos alheios, garotas na fila e, provavelmente, os batedores de carteiras de quem tinha ouvido falar nas preleções da Tia Zulmira.

A foto na volta… A camisa branca com o escudo azul. Calça azul marinho, sapato preto. Tudo tem o seu sentido. O dele era o estudo. O conhecimento que lhe fora negado pela ignorância dos interlocutores adultos, o que não tinha nos livros lidos, o que nem os livros sagrados explicavam, doravante estariam provados e escritos com esferográfica no caderno de dez matérias.

Na entrada, o portão de ferro rangendo abria espaço para um pátio de pedras portuguesas bem diante do edifício neoclássico que se insinuava austero, como deveria ser a casa do conhecimento. A escola da capital.

Ninguém reparou na figura tímida que se encolheu numa cadeira de canto e ficou a saborear as novidades. Escolheu amigos, adivinhou os nomes de alguns, criou histórias que se passavam além daquele momento e se apaixonou pela menina de óculos e cabelos negros.

O som da sirene interrompeu a aula que invocava histórias antigas. Esperou pelo vazio da sala para admirar as pilastras magníficas, os móveis escuros, o chão de cerâmica com motivo antigo. Saiu lentamente e novamente a lembrança: a foto.

Do alto da ladeira avistou um lambe-lambe. Sentou-se num banquinho e reparou no balde para lavar as fotos, os rostos desconhecidos que estampavam as laterais da velha câmera. Será que ele seria mais uma daquelas fotografias? Não importava. Era fácil ser anônimo naquela cidade.

Atenção! Pronto. Seis faces idênticas em três por quatro para provar que ele estava ali. Não era aquele que há pouco brincava de cowboy com os amigos e distribuía tiros de espoleta imitando a rudeza dos vaqueiros do Faroeste. Era agora compenetrado. Um objetivo novo que começava a ser conquistado ali, naquela hora e naquele lugar.

Um leve sorriso era visível na foto que se queria séria. Guardou a meia dúzia acomodada num canto quadrado de envelope de carta. Enfiou as mãos nos bolsos e penetrou na massa colorida que atravessava a rua na faixa de pedestres.

 

por Sérgio Araújo

 

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