sexta-feira, 3 de julho de 2009

Torturado

Com o corpo parcialmente escondido atrás do poste de madeira, espiava a rua à sua frente, nem se deu conta de que os seus algozes, nesse instante, já faziam o cerco e se aproximavam perigosamente da sua posição.

Parado! Pro chão, pro chão!

A sirene estridente da viatura preta percutiu em sua cabeça.

Capuz, pontas dos pés arrastadas nas poças d'água, porta aberta, corpo jogado no banco traseiro, motor, fumaça no escapamento, pneus cantando...

Num baque, espirrando água para todos os lados. Ei-lo sentado na cadeira de ferro, daquelas antigas que eram doadas pelas companhias de bebidas para servir às barracas de festa de largo, enferrujada e meio torta em uma das pernas.

Uma cela de 9m². Num canto um aparelho de televisão exibia Xuxa Só Para Baixinhos. A cada par de horas, em alto volume, ressoava um pagode romântico daqueles cuja banda tem mais de 12 componentes.

A situação era tão absurda que tentou suicidar-se implorando para assistir um Globo Repórter inédito sobre dieta saudável, mas seus carrascos tinham outros planos.

Na semana seguinte, desfaleceu após sessões diárias de propaganda de loja de eletro-doméstico, materiais de construção e supermercados.

Enlouquecido tentava engolir o acarajé de caixinha no intervalo entre duas doses de vodka fabricada no interior de Sergipe, numa tentativa desesperada de pôr fim àquele sofrimento terrível.

O barulho do pino de ferro arrastando no chão de pedra, a luz que escapa para dentro da cela vai revelando aos poucos, num canto, um corpo que mais parecia uma mancha, uma bolha pastosa e esverdeada.

Ao lado,  escorregando do que parecia ser o bolso de uma calça de tergal, engosmado, o cartão de crédito de uma butique de sacoleira, uma foto dele com pose de Rambo na guarita do Tiro de Guerra e uma mecha de cabelo de Margarida, a periguete que conheceu no auditório do programa do Bocão.

 

por Sérgio Araújo

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