terça-feira, 9 de junho de 2009

Blue and Green

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A noite caiu pesada como chumbo sobre sua cabeça. No cais, à espera de Penélope, observava a dança das luzes da cidade refletidas na água. Pensava nas desilusões que a vida lhe trouxe e como aquela mulher havia penetrado fundo no seu coração. Como era serena aquela paixão, como se assemelhava a "Blue in Green" que outro dia tivera a felicidade de ouvir no Café Solano.

O cheiro da noite, o frio da madrugada e a espera. O último cigarro ainda queimava entre seus dedos e novamente aquela melodia.

Intrigava-lhe a maneira como ela entrou na sua vida. Um táxi em plena avenida frenética numa tarde de verão. Os prédios refletiam a intensa luz do sol e do lado oposto da rua: cabelos ao vento, sorriso pleno, decote generoso, mas comportado, quase sincero.

Não tomou o táxi, correu como um louco entre os carros para acompanhá-la. Numa disputa enlouquecida e unilateral com os transeuntes que caminhavam à sua frente, apostava com um depois do outro, pontos de chagada determinados pela proximidade com ela. Era uma maneira divertida de vencer terreno e se aproximar do alvo.

Podia vê-la chegando, podia sentir o seu perfume mesmo embaralhado nos diversos cheiros da rua naquela tarde. Enquanto se aproximava, cada vez mais rápido, pensava se devia falar-lhe, contar da sua paixão imediata, das loucuras que seria capaz de fazer para lhe agradar, das noites incontáveis de amor e vinho.

Penélope caminhava como quem avança para os braços do primeiro amor. Dir-se-ia que flutuava sobre sua felicidade. Não pisava as pedras portuguesas da calçada e ele estava ali, do seu lado, calado, olhando de vez em quando para merecer um sorriso que não se apagasse quando ela, por fim, se voltasse para ele.

O néon meio apagado e avermelhado do bar se avolumava através da chuva fina e Penélope não chegava. O som estridente da rotina policial podia ser ouvido misturando-se ao trompete de surdina que vagava sonolento na bruma do cais.

- Senhor M? - perguntou-lhe o homem de chapéu à sua frente.

Não respondeu. Atirou o cigarro na poça à sua frente e acenou indicando que o seguiria. Fez todo o trajeto em silêncio: o carro veloz deslizando no asfalto molhado, o prédio branco, a sala de espera, o corpo.

Um vulto vagou perdido, quase invisível diante das luzes das vitrines vazias até perder-se na escuridão. No bar da esquina que acabara de dobrar tocava Blue in Green, onde muitas Penélopes iluminavam o ambiente como notas musicais na noite fria.

 

por Sérgio Araújo

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