segunda-feira, 22 de junho de 2009

Vamos acordar!

3 

Tocou o chão com os pés descalços e retirou-os imediatamente, estava fria demais aquela manhã e ainda não era junho. Com muito esforço, sonolento, endireitou-se na cama e fixou os olhos no telhado baixo e escuro para ver se já havia amanhecido. Inclinou-se um pouco para frente e ligou o rádio de três faixas que ficava sobre uma mesa improvisada com cavaletes de construção.

- Vamos acordar! - dizia a vinheta do programa numa voz meio caipira, de quem diz porque diz, seguida por uma canção sertaneja das antigas, tipo Cascatinha e Inhana.

Cambaleou até o fogão de lenha, pegou o querosene numa prateleira, restos de palha de milho e varou o lusco-fusco com a chama do fósforo, num estalo.

Lá fora os primeiros sons da passarada anunciavam o dia. Um cheiro de fogueira acesa tomou conta do ambiente. Cheiro quente que logo se fundiria com o bafo de café barato e de pão dormido esquentado sobre a chapa de ferro.

- Vamos acordar! - repetia desafiando, o locutor.

Naquela manhã, despertara com a lembrança de um sonho ou talvez fosse uma impressão, um sobressalto capaz de deixá-lo pensativo e meio triste. Não era tristeza, mas nostalgia. Era uma lembrança sem se  lembrar, um perfume que persistia e não se dissolvia na água que agora banhava o seu rosto.

- Eu sou tão jovem! - Que lembranças pesam em minha mente? Que portas deixei de abrir? - Pensou enquanto sentava-se para engolir o café com pão.

Talvez seja ela. De quem não vejo o rosto. Vejo apenas os longos cabelos, a atmosfera alegre e onírica, uma cumplicidade, ternura.

- Quero voltar ou seguir? O que procuro está no passado ou no futuro? - pensou enxugando uma lágrima.

O rádio agora transmitia as notícias do dia.

Enquanto se olhava no espelho, tentava afastar aqueles sentimentos. O sol tomou conta da pequena sala vazia. Lá fora as pessoas passavam, alguns meninos fardados iam para a escola e o pára-brisa do automóvel no lado oposto da rua refletia o sol em seus olhos a ponto de não ver mais nada.

- Acordei! - disse com voz de locutor de rádio e bateu a porta.

 

por Sérgio Araújo

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