domingo, 13 de dezembro de 2009
Festim antropofágico
Suspenso no fio tênue do seu sonho contingente, ele olhou em volta e percebeu, com espanto, quão diferente era a realidade posta na mesa da indiferente contagem dos dias.
Do alto, o olhar se expande e alcança surpreendentes formas que se insinuam e contam histórias com tramas embebidas nas profundezas da agonia e da dor. Neste caldo prenhe de solidão, apenas treva e vento inverso margeando dunas esculpidas pelo som arredondado de um violino.
Como um acrobata ébrio no olho do furacão, conta riscos luminosos e sombras obesas e vorazes que se avolumam ainda mais saciando sua fome num banquete biológico, fagocitose pictórica e dominante.
Mesmo que todos os ventos soprem sobre sua cabeça metálica, vale a visão e o conhecimento do fogo e da água, das pedras que andam, de todo o mais e de todo o menos que os dedos podem alcançar nas cordas da guitarra.
E alguém grita:
Desce daí e vem ser fera,
Mas diligente
Como na última valsa
Que partilhamos na noite fria.
Desce para cantar
E contar
Em praça pública
Sob os olhares da turba
Que tudo é ilusão
É vento
Vulto
Vão.
Ouviu palavras ocas, cascudas, escorregadias, repulsivas como vômito. Não se empenhou em procurar definições, ele espalhou sua embriaguez no festim, assoberbado.
Liberto da fama e de todo o conteúdo singular, quer formar legiões trôpegas e procissões nômades. Não mais o belo. O grotesco é o interregno das cores e odores, das formas que nos fornos se formam em finos traços.
E na praça,
Sob as pedras da turba
Tudo é peso
Prisão
Pó.
por Sérgio Araújo
Postado por
Sérgio Araújo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Grande Sérgio,
ResponderExcluirmais uma vez você arrasa, no que é possível ao ser humano arrasar. Seu "acrobata ébrio no olho do furacão" é um personagem para infinitas histórias, muitas delas, diga-se, com a próprio concepção do mito.
Obrigado, meu amigo, pelos suas escrivinhaduras inspiradíssimas.
Abração e uma ótima semana,
Alaor Ignácio