domingo, 31 de janeiro de 2010

O meu caderno de cinquenta folhas

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Uma velha mala de couro: livros, algumas fotos, uma lata de biscoitos com um daqueles rótulos vintage anos 30.

Ela, a mala, ficava guardada sob a cama dos meus avós e era sempre na ausência de ambos, que eu me aventurava a garimpar  as relíquias que repousavam ali, há anos.

Tinha a latinha das quinquilharias do meu avô, a garrafinha de “Linimento de Sloan”, moedas antigas, parafusos, pregos tortos, um bilhete de Loteria Federal e as ferramentas do seu ofício de alfaiate.

Era muito interessante ver a destreza com que ele transformava um corte de tecido em um paletó; como, por linhas tortas, riscava com o seu giz azul e redondo o traço certo da costura e da elegância que vestia os coronéis e os doutores desde antes de ser meu avô.

O produto final era enrolado num papel pardo, atado com barbante de sisal e rotulado com um quadrado de papel pautado contendo o nome do freguês e o tipo de traje.

Ah, os livros. Tinha gibi de Tarzan, manuais de iniciação maçônica, Almanaque Fontoura e um exemplar do “Macaco Simão” que eu ganhei e coloquei ali, junto com o resto do tesouro.

Aquela casinha era a minha felicidade, meu exílio quando o tempo fechava lá pras bandas da minha casa, meu repouso e minha escola. Era uma casa de letras e palavras, de “estórias” antes de dormir.

Era uma casa de sonhos, de personagens fantásticos vindos do passado, com seus nomes estranhos: Belarmino, Camerino, Aristeu, Consuelo; e que brotavam carregados de significados nas conversas a meia voz que eu escutava atento, costurando os fragmentos e revivendo o que não vivi.

Ali, aprendi a criar histórias e a ouvir as palavras que eu pronunciava , metódico, para extrair imagens que se multiplicavam e voltavam a ser palavras no meu caderno de cinquenta folhas.

 

por sérgio Araújo

2 comentários:

  1. Grande Sérgio,

    extramente sensível a descoberta de seu "rosebud" particular. Quem de nós não teve um mundinho desses que atire a primeira pedra.
    Um abração e uma ótima semana,
    alaor

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  2. É o passado que habita em nós e, que numa implacável resistencia está sempre a nos afagar a cada frustração que nos envolve no presente.
    Valeu, Serjão!

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