segunda-feira, 3 de agosto de 2009

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Brick2-1









Acordou cansado da fadiga do dia anterior e as sandálias não estavam no lugar de sempre. Teve que andar descalço o que era um verdadeiro martírio, uma coisa intolerável para qualquer hora do dia, quanto mais pela manhã.
Tinha deixado o Desktop ligado quando fora dormir, ou melhor, quando cochilou durante leitura telegráfica dos e-mails e não se lembrava como chegou à cama. Era fato que não podia mais se permitir tamanha inconsequência. Afinal, podia ter continuado ali mesmo, na cadeira, à toa como um bêbado, à mercê da intempérie e das emissões eletromagnéticas.
O importante é que isso tudo deixou, repentinamente, de ter importância diante daquelas palavras em fonte "Arial" que manchavam de preto a parte central do display.
Sentou-se vagarosamente sem tirar os olhos da tela. Minimizou-a em seguida, como que tentando dispersar uma alucinação repentina ou um mal entendido qualquer. Mas, sem êxito, retornou o olhar para aquelas palavras.
- O café está servido, amor, venha logo!
- Já vou! - disse, automaticamente, sem pensar em sair dali naquele momento.
Enquanto ganhava tempo por ter respondido ao apelo da esposa, vasculhou a memória recente, listou mentalmente o estoque de palavras que pudessem refletir o que estava vendo. Aquilo não era, necessariamente, uma surpresa para ele. Já sabia de tudo.
Paralisado, pensava na repercussão do fato. Os descasos, os casos e acasos, as mudanças e, quem sabe, uma surpreendente aceitação.
- Já vou, já vou... - repetiu enquanto se recompunha para o café da manhã de domingo.
Sentou-se para comer meio perdido em projeções e pensamentos contraditórios. Tomou o café como um autômato e vomitou na mesa.
Quando esticou o braço e deslizou a mão sobre a cama, sentiu que estava mais fria do que de costume. Abriu os olhos, estava escuro.
Acordou cansado e as sandálias não estavam no lugar de sempre. Andou nas pontas dos pés até a escrivaninha onde brilhava enevoado o display com moldura preta e pequenas luzes verdes.
No centro de tela uma janela, um quadrado em flash, que exibia silenciosamente um quarto escuro, uma mesa posta, um casal à mesa; a fartura do breakfast e aquela frase que piscava em arial sublinhado: Follow me.

por Sérgio Araújo

2 comentários:

  1. Genial, grande Sérgio.

    Sua macro-crônica ficcional-cibernética endossa e comprova as previsões alopradas do Timothy Leary.
    Show de imagens!
    Um grande abraço,

    alaor ignácio

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  2. Algumas mentiras são tão bem contadas e tão repetidas que para quem as conta ou as repete, acaba se maquiando de verdade. Muito bom o seu conto (ou será crônica?). Ótimo texto.

    Caramba. Reli o texto antes de postar o comentário, percebi que é muito mais complexo do que eu pensei. Há várias possibilidades de interpretação... complicado. Esse é um daqueles contos que tenho que imprimir e analisar metódicamente.

    Muito bom.

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