domingo, 17 de maio de 2009

Cartão postal

 
Aquele era um dos poucos museus da cidade que ainda não havia visitado. Portas abertas, casarão centenário, fachada neoclássica. Como tantos, perdido nos corredores estreitos da cidade católica, caótica e bizarra.
Era uma noite como outra qualquer, exceto pela quantidade de curiosos, cantores, atores, poetas concretos e anexos. No meio de tudo, o poeta e sua musa: uma nota perdida da sinfonia de Wagner. E a ela, diz-lhe à moda de Goethe: "Vinde, doces ilusões que tanto amei na clara manhã da minha vida"!
Um olhar irrompeu o frio néon e atingiu em cheio, por entre as mechas que teimavam em esconder seus olhos, o brilho sonoro de um sorriso fresco e simples.
As luzes vermelhas das lanternas de freios corrompiam o cristal abarrotado de Frau milch.
- O que você quer dizer quando diz que já fez de tudo e só lhe resta fazer de nada?
- Zaúm!
- Você me entende Fräulein? Venha me ver amanhã e te darei as vozes da Bahia. As vozes dos antigos poetas, dos prédios abandonados, das igrejas frias, das águas que escorrem pelas encostas e molham os meninos, descalços à beira mar.
Do púlpito, o velho poliglota fala as suas palavras. O agro vitral desdenha do flash e sobre as cabeças da assistência, reluz de viés.
Do outro lado da rua, a tua lua segue os transeuntes com agilidade e indica o itinerário: vai pela vitória...
Mais tarde, era só reler aqueles poemas antigos que diziam de tudo e de nada e, como num encanto, a doçura voltava.
Aquela era uma das poucas memórias da cidade que ainda não havia contado.
Holzstatuette mit Goldüberzug. Der König Tutanchamun
por Sérgio Araújo

Um comentário:

  1. Excelente Sérgio, excelente!
    "Vinde, doces ilusões que tanto amei na clara manhã da minha vida"!

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Obrigado pela visita!